O Estado de S.Paulo
Os ataques aéreos da França que começaram na sexta-feira impediram, pelo menos no momento, uma rede de terroristas, criminosos e extremistas de assumir o controle do Mali. Até os franceses intervirem, o quase colapso do Exército do Mali ameaçava transformar este país, que não tem saída para o mar e é desesperadamente pobre, numa fortaleza jihadista no deserto.
Os EUA, que gastaram mais de US$ 500 milhões nos últimos quatro anos para manter os militantes islamistas encurralados na África Ocidental, estão muito ocupados no Afeganistão, Paquistão, Egito e Líbia, entre outros lugares, mas não é do interesse nacional apoiar a França. Os países da África do Norte, em particular a Argélia, precisam também ajudar a salvar o Mali da catástrofe.
Este conflito não é similar a outras guerras africanas cujas consequências para o Ocidente eram apenas marginais. Os islamistas no Mali têm ligação com o grupo militante Boko Haram, da Nigéria, que explodiu os escritórios das Nações Unidas em Abuja, em 2011, e com o Ansar al-Shara, que seria o responsável pelos assassinatos em setembro passado do embaixador Christopher Stevens e mais três americanos em Benghazi, Líbia.
Os ataques da aviação francesa impediram os islamistas - incluindo a Al-Qaeda no Magreb Islâmico - subproduto do Movimento para a Unidade e Jihad na África Ocidental -, e o Ansar Dine, grupo de rebeldes tuaregues do norte - de tomar o aeroporto, o porto ribeirinho e marchar para Bamako, a capital. Mas os militantes estão se reorganizando e rearmando em sua fortaleza no deserto ao norte do país.
Os Estados Unidos não precisam enviar soldados para a região. Mas devem fornecer inteligência, equipamentos, treinamento e financiamento para uma força de intervenção africana ocidental cuja criação foi autorizada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas em dezembro (sem financiamento). Os franceses não conseguirão sair rapidamente do Mali. Mesmo que aquela força seja reunida a França terá de orientar e coordenar as tropas de suas ex-colônias, como a Mauritânia, Níger e Chade.
A cooperação internacional tem sido eficaz contra o grupo Al-Shabab, afiliado da Al-Qaeda na Somália, e pode ter sucesso em Mali. Na Somália, as tropas americanas e empresas de segurança terceirizadas treinaram e equiparam os soldados da União Africana, incluindo os de Uganda e Burundi. Com um novo Exército somali, eles expulsaram no ano passado os terroristas de Mogadíscio e de grande parte do sul da Somália.
A chave para resgatar o Mali não está na África Ocidental, mas no Norte da África. Uma proposta feita, que seria a Nigéria liderar uma coalizão de forças da África Ocidental no Mali, tem poucas chances de sucesso. A Nigéria não tem a capacidade para combater uma guerra de guerrilha ou uma guerra urbana. Ela tem soldados cristãos de língua inglesa que podem exacerbar as tensões religiosas e étnicas no país e as tentativas violentas para refrear os terroristas do Boko Aram até agora fracassaram.
A Argélia é o único país no continente com capacidade militar, oficiais experimentados, experiência no campo do contraterrorismo e proximidade geográfica para assumir o lugar da França nesta luta para trazer a paz ao Mali. Os líderes militares argelinos conhecem as táticas dos extremistas e os seus líderes, derrotados numa guerra civil que durou de 1991 a 2002. Eles depois concentraram as operações terroristas no norte do Mali. A Argélia tem a responsabilidade moral de agir, mas se continuar inativa, então o Marrocos ou outro país norte-africano deve assumir a liderança, com o apoio de Níger, da Mauritânia, Mali e Chade que, como a Argélia, vem combatendo a Al-Qaeda no Magreb islâmico nos últimos oito anos.
A Argélia também é fundamental para acabar com a rebelião dos nômades tuaregues que, cultural, étnica e linguisticamente são norte-africanos e opõem resistência aos grupos étnicos subsaarianos que governam o Mali. Sua rebelião começou em 2011, quando combatentes tuaregues que lutaram na Líbia ao lado do coronel Muamar Kadafi retornaram ao seu país. Eles se juntaram aos militantes islamistas que foram da Argélia para o norte do Mali, mas depois os islamistas voltaram-se contra os tuaregues e consolidaram o poder.
A Argélia negociou a paz durante as rebeliões ao norte do Mali e pode fazer isso novamente. A chave para a paz no Mali é, primeiro, derrotar os insurgentes. Depois, Bamako deve negociar a autonomia para os nômades do norte que, juntamente com as forças de manutenção da paz africanas, ficarão responsáveis por sua defesa. O acordo poderia prever algo similar à Somalilândia, região ao norte da Somália, que realiza eleições democráticas, mantém a paz e se tornou praticamente um Estado soberano.
O Exército do Mali jamais controlou eficazmente a região norte do Rio Níger. Seus soldados temem os nômades guerreiros. Um chefe tribal disse-me uma vez: "Se você deseja controlar o Saara, terá de trabalhar conosco. Somos os senhores do deserto há milhares de anos e continuaremos a mandar aqui".
Anos de treinamento pelas forças especiais americanas não impediram que militares do Mali fugissem quando a insurgência islâmica começou em janeiro do ano passado. Na verdade, o Exército exacerbou o caos ao derrubar o governo democraticamente eleito do país.
Reconstituir um governo alquebrado e um Exército desacreditado de Mali levará anos, mas assegurar que o país não se torne rampa de lançamento para o terrorismo é a grande prioridade. A França começou a exercer a liderança; os Estados Unidos não podem titubear em fazer a sua parte. " / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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