A Agência Brasileira de Inteligência elevou em 66% os gastos sigilosos por meio de cartões corporativos, no total de R$ 11,2 milhões em 2010. O aumento de despesas contrasta com o redirecionamento da Abin, que pode ser desvinculada do comando militar. Governo Lula gastou R$ 80 milhões com cartões corporativos em 2010, um recorde.
Gastos secretos da Abin custam R$ 11 milhões
Sob o manto da “garantia da segurança do Estado”, as despesas sigilosas por meio do cartão corporativo da Agência Brasileira de Inteligência, a Abin, deram um salto no ano passado. Os servidores do órgão responsável por desenvolver atividades voltadas para a defesa da sociedade brasileira desembolsaram R$ 11,2 milhões, com a justificativa de que as “informações são protegidas por sigilo. O aumento foi de 66% em relação aos R$ 6,8 milhões consumidos em 2009, de acordo com dados da ONG Contas Abertas (veja quadro).
O aumento dos gastos contrasta com a nova realidade da Abin na gestão Dilma Rousseff. Ligada ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), a agência tem futuro incerto em função da possibilidade de ser desvinculada do órgão militar. Desde a posse de Dilma, o GSI — agora comandado pelo general José Elito — perdeu a Secretaria Nacional de Políticas contra as Drogas (Senad), levada para a estrutura do Ministério da Justiça. A mudança provocou a saída de 52 funcionários de cargos de confiança, o que esvaziou o poder dos militares no Planalto.
Os gastos na agência são feitos de forma descentralizada. Cada superintendência estadual ou escritório de representação é responsável pelas despesas com os cartões. Isso, segundo uma alta fonte do Comando Militar, aumenta o risco de abusos — muitos já identificados pelo próprio GSI. Um dos motivos é o atraso com que o núcleo central tem acesso aos dados e consegue identificar despesas tidas como irregulares. O outro é a dificuldade de fiscalização in loco.
Além do controle interno, o Tribunal de Contas da União (TCU) fiscaliza as contas da Abin. Entre as irregularidades já identificadas estão a aquisição de material permanente e pagamentos e gratificações a informantes e colaboradores. A prática, segundo a fonte, mantém-se na agência.
Ao todo, na administração pública, os portadores dos mais de 13 mil cartões de pagamento do governo espalhados pelo país torraram, de forma secreta, quase R$ 32 milhões em 2010. Em 2009, dois anos depois das primeiras denúncias de uso irregular do cartão corporativo, o montante chegou a R$ 27,6 milhões.
Um decreto regulamenta o uso dos cartões corporativos, mas não trata do caso específico de despesas sigilosas. “A Controladoria-Geral da União (CGU) audita todos os gastos de caráter secreto dos órgãos de sua competência. Não é porque é sigiloso que não auditamos”, diz o secretário de Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas da CGU, Mário Vinícius.
Ele explica, porém, que as despesas dos cartões da Presidência e dos ministérios da Defesa e Relações Exteriores não são fiscalizadas pela CGU, mas pelos controles internos desses órgãos. “Isso não significa que nós não acompanhamos a evolução dessas despesas”, garante.
Espólio
“Essas despesas sigilosas são uma herança da ditadura militar que não deveriam existir mais, pelo menos com esse volume de movimentação. É cômodo para os órgãos públicos manterem esse tipo de gasto para a manutenção de certos domínios. Isso não é nada transparente e evita que a sociedade tenha acesso às informações”, avalia Roberto Piscitelli, professor do departamento de Ciências Contábeis da UnB.
Segundo ele, os gastos sigilosos nem sempre podem ser justificados pela questão da segurança nacional. “É difícil colocar o dedo nessa ferida. É como se assinássemos um cheque em branco sob a justificativa da segurança nacional. Mas o conceito de segurança nacional é vago”, afirma. Nos últimos nove anos, as despesas sigilosas via cartão de pagamento pularam de R$ 2,8 milhões para R$ 31,8 milhões.
Procurada para explicar o crescimento das despesas sigilosas, a assessoria de imprensa da Abin informou que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) poderia se manifestar sobre o caso. A assessoria do GSI afirmou que não se posiciona sobre assuntos sigilosos.
EFEITO TAPIOCA
Em outubro de 2007, o ministro do Esporte, Orlando Silva, ficou nacionalmente conhecido ao utilizar o cartão corporativo em uma tapiocaria de Brasília. Ele devolveu o valor depois que a irregularidade foi detectada e afirmou ter confundido o cartão com seu pessoal. Também em 2007, a então ministra da Igualdade Racial Matilde Ribeiro perdeu o cargo depois gastar, com o cartão do governo, R$ 461 num free shop.
Fatura da União bateu todos os recordes
Os dados tabulados pelo Contas Abertas também mostram que os gastos globais com o cartão corporativo — e não apenas os sigilosos — foram recorde em 2010. A fatura paga pela União alcançou R$ 80 milhões entre janeiro e dezembro do ano passado, o maior montante desde que o sistema foi criado no país, em 2002, e 24% maior em relação a 2009.
Levando em conta os nove anos monitorados, a Presidência (PR) foi o órgão que mais utilizou o cartão corporativo, só que grande parte dos mais de R$ 105 milhões pagos não podem ser divulgados por ser tratarem de “informações protegidas por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado”.
Segundo informações do governo, os gastos inflados no ano passado tiveram como razão as despesas extras com transporte durante as atividades do censo.
Os cartões corporativos são usados para pagar diversas contas, incluindo hospedagem e alimentação nas viagens presidenciais. Um grupo de funcionários, chamados de ecônomos, utiliza os cartões, mas não é raro que ministros tenham também.
A CGU mantém um sistema de alerta automático que avisa o portador do cartão quando eventualmente ele estiver cometendo ilegalidade. “Quando um servidor está de férias, por exemplo, e usa o cartão corporativo sem querer, recebe um alerta de que aquela despesa pode estar sendo errada. Nós abrimos espaço de forma automática para que ele explique a despesa”, diz o secretário de Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas da CGU, Mário Vinícius.
Controle
Em uma cartilha produzida pela CGU, a recomendação é de que os servidores utilizem o cartão com base nos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, algo que nem sempre acontece. A controladoria avalia que o cartão corporativo é um meio de pagamento mais ágil e que traz maior controle na gestão de recursos, pois é emitido em nome de cada órgão público do país, incluindo a identificação do portador.
O cartão substitui a modalidade de gasto chamada suprimento de fundos. Nela, um adiantamento é concedido ao servidor, a critério e sob a responsabilidade da figura do controlador de despesas em cada instituição. Há um prazo estipulado para a aplicação e a comprovação dos gastos, mas não há um controle na internet como ocorre com os cartões. (LK)