Reconhecida internacionalmente e elogiada no próprio Haiti – onde integra, desde 2004, missão de paz das Nações Unidas (Minustah) –, a atuação militar brasileira no país caribenho é moldada, também, pela crescente participação feminina nas tropas.
Durante os quase dez anos de missão, 75 militares brasileiras já serviram no Haiti. Recentemente, a proporção de mulheres enviadas só tem aumentado. Dezesseis brasileiras compõem o efetivo atual, e outras 16 vão integrar o contingente que desembarca no país em dezembro.
“Sou apaixonada pela carreira militar, tenho fascínio em ouvir o hino nacional e me sinto orgulhosa por estar com a farda”, conta a capitão tenente Gislaine Cantamessa, lotada na base do Grupamento dos Fuzileiros Navais em Porto Príncipe, capital haitiana.
Ali, a médica da Marinha realiza um trabalho fundamental: cuidar da saúde do batalhão, ajudando a mantê-lo preparado para o desafio que a missão militar impõe. “Estou aqui em prol da paz. Mesmo sem estar na rua, ajudando diretamente os haitianos, apoio os militares que garantem a segurança desse povo tão sofrido”, diz.
A major do Exército Fátima da Costa também integra o atual contingente no Haiti. Na função de assistente jurídica, ela se ocupa de processos que abrangem desde a contratação de funcionários haitianos até eventuais acidentes de trânsito envolvendo integrantes das tropas brasileiras.
Segundo a major, a experiência trouxe a dupla oportunidade de trabalhar junto à tropa e conhecer uma nova cultura. “Eu nunca tinha vivido nada parecido. Além de estar em campo, trabalhando com o batalhão, há a convivência com o povo haitiano”, explica. “Consegui fazer amizades e saber como eles vivem. Tudo isso engrandece a minha vivência aqui.”
Tarefas variadas
A rotina das militares brasileiras no Haiti começa cedo. Elas acordam às 6h da manhã com o toque da alvorada. Vinte minutos depois, estão de pé para o treinamento militar, que envolve corrida e alongamento. O expediente vai de 8h às 18h. Aos sábados, trabalham até às 14h.
Dependendo da Força de origem e da função que exercem – além de médicas e assistentes jurídicas, há dentistas, intérpretes, veterinárias e até administradoras –, elas também se revezam em outras atribuições, em esquema de plantão.
“Não há diferença entre homens e mulheres na atividade de peacekeeper [mantenedores da paz]. Ambos cumprem tarefas muito importantes, trabalhando diariamente com grande profissionalismo, responsabilidade e respeito”, diz o brasileiro que comanda os cerca de 7 mil soldados das Nações Unidas que atuam no Haiti, general Edson Leal Pujol.
“As mulheres, assim como os homens, trabalham em todo tipo de atividade, tais como oficial de Estado-Maior, pilotos, mecânicos de helicópteros e veículos, engenheiros, jornalistas, dentistas e médicos, entre outras”, completa o force commander da Minustah.
A tenente do Exército Gizelly Bandeira exemplifica o quão amplo pode ser o leque de atividades desempenhadas no Haiti. Como veterinária, é responsável pelo controle sanitário das três bases militares brasileiras. A atividade envolve a coordenação de ações de higienização e controle de alimentos e o tratamento de água e esgoto, além de outras medidas profiláticas que visam à redução da contaminação do batalhão.
Há anos o país caribenho sofre com condições sanitárias adversas. Dos 9,8 milhões de habitantes, 80% não possuem água encanada, cenário que torna imprescindível a adoção de cuidados capazes de ajudar na prevenção de enfermidades.
O trabalho da tenente, contudo, não se restringe aos desafios sanitários. Ela também gerencia um projeto de reflorestamento na capital Porto Príncipe. Segundo ela, nos últimos quatro meses, 2 mil mudas foram replantadas pelo Exército Brasileiro na cidade.
A iniciativa conta com o apoio da ONG Viva Rio, que tem sede no Haiti, e é prova viva de que aspectos humanitários e de segurança convivem em harmonia na atuação dos brasileiros e brasileiras que atuam na missão.
O que diz a ONU
As Nações Unidas estabelecem, como patamar mínimo, um percentual de 2% na participação de efetivos femininos em tropas que atuam sob sua égide em missões de paz.
Atualmente, dos quase 6.300 capacetes azuis que compõem a Minustah, 184 militares são mulheres (o equivalente a aproximadamente 3% do total). Segundo a porta voz da missão, Sophie Boutaud de La Combe, essa estatística tem se mantido estável nos últimos anos. No entanto, assegura, a ONU examina iniciativas para trazer mais mulheres para o campo.
Segundo o force commander da missão, general Edson Leal Pujol, o primeiro critério para seleção em operações de paz não é o gênero, mas o fato de o interessado apresentar-se como voluntário. Posteriormente, deverá receber instruções e treinamentos adequados, trabalho desenvolvido por cada país.
A triagem daqueles que irão compor o contingente também fica a cargo das diferentes nações. Embora a ONU recomende que os países contribuidores com tropas enviem, ao menos, 2% de mulheres, o quantitativo, assim como o critério de seleção, são decisões soberanas de cada país.
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