Daniel Rittner e Leandra Peres
A não ser que haja uma reviravolta no escândalo de espionagem eletrônica protagonizado pelos Estados Unidos, a presidente Dilma Rousseff está praticamente convencida a adiar para 2015 a compra de novos caças à Força Aérea Brasileira (FAB), deixando o capítulo final da novela em torno do projeto FX-2 para um eventual segundo mandato.
Segundo auxiliares diretos da presidente, a decisão já estava muito perto de ser tomada, a favor da americana Boeing. Mesmo com as manifestações de junho e com as dificuldades orçamentárias, Dilma ainda estava disposta a fechar negócio para adquirir um lote inicial de 36 caças F-18 Super Hornet, avaliado em pelo menos US$ 5 bilhões. A revelação de que ela teria sido alvo direto de espionagem pela Agência Nacional de Segurança (NSA) dos Estados Unidos mudou completamente o humor de Dilma, que já confidenciou a assessores sua intenção de não assinar nenhum contrato nos próximos meses.
Nas palavras de um auxiliar, se o presidente Barack Obama "tivesse entregado uma pasta com todas as escutas e emails interceptados" de Dilma e da Petrobras, teria sido mantida a visita de Estado a Washington e ainda havia possibilidades reais de levar adiante o negócio. Apenas uma mudança radical de postura da Casa Branca seria capaz de reabrir imediatamente a última fresta para um acordo com a Boeing, mas a chance de avanços em 2014 é "zero" porque "não se anuncia compra de caças em ano eleitoral", segundo fontes do Palácio do Planalto. Com isso, a decisão fica automaticamente para 2015, em um segundo mandato da petista ou cabendo a quem lhe suceder.
O novo cenário do FX-2, no entanto, não inverte a balança para o lado dos franceses. No governo Lula, a escolha dos caças Rafale chegou a ser cantada pelo ex-presidente brasileiro, quando recebeu o colega francês Nicolas Sarkozy no país, em 2009. De lá para cá, o favoritismo da Dassault - fabricante do jato - se esvaiu, diante da proximidade cada vez maior entre Boeing e Embraer.
O Palácio do Planalto recebeu relatos de que já houve um mal-estar entre a francesa DCNS e a Marinha envolvendo a transferência de tecnologia no contrato para a construção de quatro submarinos de propulsão convencional. O contrato abrange também a parte não nuclear - como o casco - do primeiro submarino nuclear brasileiro. A percepção de problemas recentes desestimula a equipe presidencial a apostar em uma nova parceria de longo prazo com a França, com os caças, numa encomenda inicial de 36 jatos, mas que pode chegar a 124 unidades no longo prazo.
Dilma também recebeu a informação de que o governo indiano, após um acordo para adquirir até 126 caças em um período de dez anos, enfrenta dificuldades na absorção de tecnologia pela Dassault. Essa foi a primeira venda dos caças Rafale a um país estrangeiro e a experiência da Índia é acompanhada com atenção pelos assessores presidenciais.
Os caças suecos Gripen, terceira opção entre os finalistas do FX-2, são vistos no Planalto como um "projeto" e ainda não convenceram o entorno político de Dilma. Até agora, a ofensiva da fabricante Saab não foi capaz de desfazer a percepção de que sua escolha seria uma espécie de tiro no escuro, embora o próprio governo da Suécia já tenha encomendado 60 unidades do Gripen NG (New Generation) - a Suíça adquiriu outros 22 jatos. Os caças têm entrega a partir de 2018.
A Saab busca usar a seu favor o fato de que o caça ainda está em desenvolvimento. Caso Dilma se decida pelo Gripen NG, a fabricante sueca promete a produção de 80% da estrutura do avião no país. Também oferece o financiamento integral para os equipamentos, de forma a aliviar o orçamento da FAB, com o início do pagamento seis meses após a entrega da última das 36 unidades - ou seja, daqui a cerca de 15 anos.
Um dos fatores citados no governo contra uma decisão imediata é a falta de espaço fiscal para encomenda desse porte. O financiamento a longo prazo resolve uma parte do problema, ao evitar desembolso da Aeronáutica nos próximos anos, mas pode ter efeito no cálculo da dívida.
As manifestações populares de junho são apontadas por alguns observadores como mais um complicador, que ajudaram no adiamento do leilão do trem de alta velocidade Rio-São Paulo-Campinas. O Planalto, entretanto, não aponta os protestos de rua como elemento-chave na decisão de Dilma sobre os caças.
O novo adiamento cria um problema concreto para a proteção do espaço aéreo: a FAB conseguiu prolongar a vida útil dos caças Mirage 2000 C/D usados que comprou da França, em 2005, mas o ciclo operacional dos jatos termina inevitavelmente no fim deste ano. Eles serão desativados, em definitivo, e não há mais nenhum caça de interceptação disponível na frota da Aeronáutica.
Para remediar o problema, a Embraer está modernizando e adaptando caças F-5, usados tradicionalmente para defesa aérea e ataque ao solo. Eles complementam, mas não eliminam a necessidade de compra dos novos aviões, que são de múltiplo emprego e de geração superior.
Em 2005, após sepultar a primeira versão do projeto FX, o governo Lula decidiu comprar um lote de 12 Mirage usados para não ficar unicamente na dependência dos caças F-5. É esse o dilema que reaparece agora, fazendo surgir novamente especulações em torno da compra de outro lote de aviões usado, como solução "tampão" até o desfecho da concorrência.
A compra dos novos caças se transformou numa novela que já dura mais de 13 anos e atravessou governos de três presidentes diferentes. Alegando que sua prioridade de gastos era com o Fome Zero, Lula extinguiu o primeiro processo de disputa, batizado como FX. Na época, a Dassault era favorita, oferecendo os caças Mirage 2000/BR. Corriam por fora os russos da Sukhoi.
O sepultamento da primeira concorrência foi até bem vista pelos militares, diante da constatação de que surgia uma nova geração de caças. Isso permitiu, na reabertura da disputa em 2008, quando passou a ser chamada de FX-2, a apresentação de propostas com aviões mais modernos.
Dilma, assim que assumiu, desacelerou o processo de decisão e evitou dar um desfecho nos dois primeiros anos de mandato. Nos últimos anos, havia grande expectativa de que finalmente o martelo fosse batido. Em agosto, durante audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, o comandante da FAB, tenente-brigadeiro Juniti Saito, havia declarado que a decisão da presidente seria tomada "em curto prazo".
O ministro da Defesa, Celso Amorim, também vinha dando indicações de que a escolha final estava prestes a ser feita. Depois do anúncio, ainda há negociações até a assinatura do contrato.
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