E, por agora, evita a tentação do MBT nacional
Roberto Lopes
Especial para o Forças Terrestres
A incerteza sobre a disponibilidade de recursos nos próximos anos (alardeados como de recuperação da Economia), a necessidade de obter um modelo de viatura resultante da conversão da VBTP-MR Guarani 6×6 em um blindado de combate 8×8, as circunstâncias estratégicas nas fronteiras do país e o extenso rol de pendências no conjunto de programas do Exército Brasileiro (EB), estão levando o Comando da Força Terrestre a tratar de forma pragmática, cautelosa e conservadora, o assunto da atualização tecnológica de sua frota de carros de combate pesados.
Este ano e no próximo, a prioridade é obter um novo lote de veículos Leopard 1A5 que permita a padronização da principal força de choque (couraçada) da corporação.
O Forças Terrestres apurou que a atualização tecnológica dos MBTs (Main Battle Tanks) brasileiros acontecerá sobre a linha Leopard: primeiro com a obtenção, em meados dos anos de 2020, de uma pequena partida de carros Leopard 2 A4; e depois (dentro de uns dez anos) por meio da incorporação de um núcleo de viaturas mais modernas, das versões A6 ou A7.
Estudos conjuntos do Estado-Maior do Exército com o Centro de Instrução de Blindados General Walter Pires, de Santa Maria (RS), estimaram que o programa de desenvolvimento de um tanque pesado projetado no país, não pode ser concluído em menos que uma década – e, por enquanto, não há tranquilidade financeira para que essa empreitada seja tentada.
Isso, apesar das repetidas demonstrações de boa vontade da filial brasileira da companhia alemã KMW, fabricante do Leopard.
Técnicos da KMW já conhecem algumas das predileções dos militares da Arma Blindada para o futuro MBT nacional: peso no patamar das 50/54 toneladas (significativamente inferior às 62,3 toneladas do modelo alemão 2A6), canhão de 120 mm, armamento secundário remotamente operado e blindagem modular incluindo placas de proteção reativas. Mas isso ainda está no plano dos sonhos.
Também descartada parece estar, nesse momento, a ideia de sair da linha Leopard.
Peru – Existem, claro, “tentações”, como a possibilidade de, no início da próxima década, o Exército dos Estados Unidos disponibilizar, por meio do sistema FMS (Foreign Military Sales) alguns dos seus carros Abrams da versão A1, de 61,3 toneladas (e preço unitário, hoje, na casa dos 6 milhões de dólares).
O Exército do Peru, que desde 2015 se encontra, declaradamente, em busca de um novo MBT, vem sendo assediado pela empresa sul-coreana Hyundai Rotem, fabricante do K2 “Pantera Negra” – viatura de 55 toneladas que até mesmo os especialistas americanos consideraram um impressionante amontoado de tecnologia de ponta. E que talvez por isso esteja cotado a 8/10 milhões de dólares a unidade.
Como os peruanos se assustaram com o preço, os sul-coreanos ofereceram a alternativa do K1A1 – modelo “inspirado” no M1A1 Abrams –, de 51 toneladas, canhão de 105 mm (segundo os próprios coreanos, 1,5 vez inferior ao modelo de 120 mm do K-2) e preço unitário bem mais amigável, na casa dos 4 milhões de dólares.
No atual estágio evolutivo do EB, a prioridade é, contudo, evitar que os carros de combate de 2ª mão adquiridos pela Força permaneçam em serviço por décadas, mesmo com altos índices de indisponibilidade.
Caso, por exemplo, das imponentes viaturas M-60 A3TTS, compradas pelo governo FHC no fim dos anos de 1990.
A conservação de máquinas antiquadas não representa apenas uma diminuição do poder de choque da corporação. De acordo com um oficial de blindados ouvido pelo Forças Terrestres, ela engessa os conhecimentos dos tanquistas em um patamar tecnológico inferior; e, em alguns casos, termina por desmotiva-los.
A opção, na próxima década, pela viatura Leopard 2A4 – um ícone da década de 1990 – não pode ser considerada “mais do mesmo” (blindado ultrapassado), pois, conforme ficou evidente nos carros adquiridos pelo Exército do Chile, o modelo A4 aceita bem o canhão e outros equipamentos da versão 2 A6.
Guarani 8×8 – A exequibilidade dos planos depende, entretanto, das circunstâncias.
Há dúvidas sobre a capacidade do Exército de investir em carros de combate pesados, enquanto as tropas da Infantaria Motorizada – candidatas à transformação em “tropas médias” das unidades Mecanizadas – demandam fortemente não apenas a viatura Guarani 6×6, mas também o modelo 8×8, dotado de canhão de 105 mm (ou de peças menores).
E na Força Terrestre Brasileira existem ainda outras limitantes para a aposta em tanques pesados.
MBTs exigem obras de arte (pontes e viadutos) que os suportem, além de rede ferroviária bem ramificada e estruturada, e infraestrutura de manutenção extremamente onerosa. Especialmente para uma corporação que não pode, simplesmente, remetê-los à conservação no fabricante.
Já os veículos Guarani podem, eventualmente, ser inspecionados e reparados na fábrica de Minas Gerais, de onde saíram novinhos em folha.
Por fim, existe a questão conceitual: em que medida, dentro de um cenário limitado de ameaças fronteiriças, como o nosso, deve o EB priorizar os tanques pesados, sobre lagartas, e não as viaturas bem mais ligeiras e baratas, sobre rodas, que transportam um canhão de 105 mm e chegam a alcançar, em estrada, velocidades em torno dos 100 km/h?
Como se vê, o assunto se espraia por uma rede de variáveis estratégicas, técnicas e financeiras que se entrelaçam, sugerindo a uma Força de poucos recursos – e, do ponto de vista geopolítico, excêntrica –, uma ousadia medida, nos centímetros, pelo pragmatismo e pela cautela (mas não, necessariamente, pelo conservadorismo).