BRASÍLIA - Três semanas após apoiar a suspensão do Paraguai do Mercosul alegando uma "ruptura da ordem democrática" no país, o Brasil reforçará nesta quinta-feira, 19, sua defesa da adesão à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) de uma nação no oeste africano comandada há 33 anos pelo mesmo governante.
No próximo encontro do bloco, que começa nesta quinta-feira em Moçambique, o país africano pleiteará pela segunda vez sua adesão plena à comunidade.
Em 2010, na última cúpula do bloco, o pedido foi rejeitado por falta de consenso entre os membros. Desta vez, Portugal deve se opor ao ingresso do país, que tem cerca de 700 mil habitantes e área equivalente à de Alagoas.
A decisão sobre o pedido só deve ser anunciada na sexta-feira, em reunião entre os chefes de Estado. O Brasil será representado pelo vice-presidente, Michel Temer.
A possível incorporação do novo integrante tem sido contestada por intelectuais, como o escritor moçambicano Mia Couto, e por um movimento criado por ONGs de Portugal, Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.
Em carta enviada aos chefes de Estado lusófonos, elas dizem que a entrada da Guiné Equatorial "manchará irremediavelmente a reputação e a respeitabilidade da CPLP na comunidade internacional".
O movimento, que inclui a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais, acusa o governo Nguema de torturar e prender arbitrariamente críticos e opositores e cita investigações no exterior por corrupção contra o líder guinéu-equatoriano e seus familiares.
Segundo as entidades, o decreto presidencial que em 2010 instituiu o português como terceira língua oficial da Guiné Equatorial "não resulta da história, da expressão cultural ou vontade do povo". Apesar do decreto, o português não é falado no país, que também tem como línguas oficiais o espanhol, idioma predominante, e o francês.
O grupo diz ainda que os apoios na CPLP à adesão da Guiné Equatorial se devem às riquezas petrolíferas do país, terceiro maior produtor da commodity na África Subsaariana.
Argumentos
Já a Guiné Equatorial diz que nos próximos anos o português passará a ser ensinado nas escolas. O governo reivindica a adesão com base em laços históricos com Portugal e na proximidade geográfica com outros membros da CPLP, especialmente Angola e São Tomé e Príncipe.
No site do movimento pró-adesão (mage.eu5.org), partidários do ingresso dizem que Portugal controlou parte do país até o fim do século 18, quando os territórios foram cedidos à Espanha após a assinatura de tratados entre as nações ibéricas.
O movimento também afirma que o país é majoritariamente católico, assim como os outros membros da comunidade, e que já mantém relações econômicas com Estados do bloco.
Há ainda outras razões mais pragmáticas para o pleito. Num continente em que os blocos linguísticos, ecos da colonização europeia, têm um importante papel nas concertações diplomáticas e nos negócios, os guinéu-equatorianos buscam romper seu isolamento na região.
Único país no Golfo da Guiné colonizado pela Espanha, a Guiné Equatorial está rodeada por nações francófonas, anglófonas e lusófonas. O país aderiu em 1989 à Organização Internacional da Francofonia, mas, segundo analistas, jamais se sentiu confortável no grupo.
O interesse em ingressar na CPLP tornou-se, portanto, uma alternativa, respaldada pela ofensiva diplomática do governo Luiz Inácio Lula da Silva na África.
Em 2010, em visita à Guiné Equatorial, Lula apoiou a adesão do país ao bloco. No ano seguinte, já como ex-presidente, ele esteve no país outra vez, quando chefiou uma missão brasileira na cúpula da União Africana.
Segundo um diplomata brasileiro familiar às negociações, a entrada da Guiné Equatorial na CPLP colaboraria com o objetivo do Brasil de difundir a língua portuguesa no mundo. Ele diz que a adesão também ampliaria a influência do Brasil no país, que "é economicamente viável e demonstra a intenção de fazer uma transição política controlada".
Além disso, afirma que a Guiné Equatorial não está suspensa dos blocos regionais que integra e que sua entrada beneficiaria a população do país.
O líder guinéu-equatoriano, aliás, já disse que buscaria o apoio do bloco para aprimorar a educação do país e para concessão de bolsas de estudo a seus concidadãos em universidades do Brasil, Portugal e Angola. A CPLP também é integrada por Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné Bissau e Timor Leste.
À exceção de Portugal, todos os membros do grupo estão entre os principais receptores da ajuda externa brasileira.
Isolamento e sanções
O diplomata brasileiro rejeita os argumentos dos críticos ao ingresso, afirmando que isolamento e sanções não promovem democracia nem respeito aos direitos humanos. Segundo ele, com maior integração e comércio, retrocessos políticos se tornam mais difíceis.
Mesmo assim, diz que o Brasil não pretende fazer da adesão um "cavalo de batalha" e que ela só ocorrerá se todos os membros da CPLP a apoiarem. O diplomata atribui a resistência de Portugal principalmente a pressões da França, que temeria perder influência na região uma vez que a Guiné Equatorial priorizasse a CPLP em detrimento do bloco francófono.
Por mais que Portugal se oponha ao ingresso por enquanto, ele considera que se trata de "processo inevitável", que só será interrompido caso a Guiné Equatorial vivencie retrocessos políticos como um golpe de Estado.
Por ora, as relações econômicas do Brasil com a Guiné Equatorial são modestas. Em 2011, segundo o Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o saldo comercial entre os países somou US$ 655 milhões (R$ 1,3 bilhão), com déficit de US$ 588 milhões (R$1,1 bilhão) para o Brasil.
A maior parceira do Brasil na África Subsaariana é a Nigéria - as trocas comerciais entre os países alcançaram US$ 9,5 bilhões (R$ 19 bilhões) no ano passado.
Enquanto o Brasil exporta à Guiné Equatorial sobretudo produtos industrializados, importa do país africano somente petróleo e derivados.
O governo brasileiro espera que as trocas cresçam se vingarem as negociações em curso para a criação de uma conta-petróleo para o país. Pelo mecanismo, que já vigora entre Brasil e Angola, parte da produção de petróleo da Guiné Equatorial garantiria financiamentos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) à compra de produtos e serviços brasileiros.
Desde 2010, o Brasil também negocia a venda de corvetas (navios de guerra) para a Guiné Equatorial, que anunciou a intenção de reformar sua Marinha. Se o país ingressar na CPLP, o governo espera que as negociações avancem mais rápido.
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