O governo brasileiro deve assinar, no fim de setembro, um contrato de cerca de R$ 1,5 bilhão para ter um satélite que não possa ser monitorado por outros países. Além de ampliar a capacidade de telecomunicações e de banda larga no Brasil, o satélite, que será administrado no país, terá faixas exclusivas para transferência de informações civis e militares que envolvam a segurança nacional e serão protegidas.
Atualmente, o Brasil não possui nenhum satélite geoestacionário próprio – todas os dados passam por sistemas que são alugados e controlados por companhias de outros países.
O sistema será produzido na França e lançado na Guiana Francesa em abril de 2016, segundo Sebastião Nascimento Neto, gerente da Telebras responsável pelo projeto.
O contrato com as francesas Thales Alenia Space, responsável pela fabricação, e Arianespace, que fará o lançamento do foguete, prevê transferência de tecnologia que permitirá às empresas brasileiras produzir um satélite nacional a partir de 2021, quando o governo pretende comprar o segundo artefato, afirma Nascimento Neto. O lançamento acontecerá três anos depois.
“Este contrato impõe uma série de condições para alavancar a indústria aeroespacial brasileira. Temos uma base nacional que hoje não tem nenhuma capacidade de produzir peças para este satélite de telecomunicações, porque são totalmente diferentes das dos satélites de baixa órbita, como os de meteorologia e de sensoriamento remoto”,explica o diretor da Telebras.
Uma equipe de 100 técnicos irá à França acompanhar a produção. “O próximo satélite será contratado cinco anos depois do lançamento deste e, até lá, a base industrial nacional já estará fortalecida. A previsão é de lançá-lo da Base de Alcântara, no Maranhão. Esta é a nossa intenção, de termos um satélite que possa ser produzido e lançado aqui. O Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe) está assumindo o compromisso de capacitar Alcântara até lá”, defendeu.
Ainda não foi definido se a compra do segundo satélite será feita integralmente de uma empresa brasileira ou se será necessário comprar partes de companhias internacionais. Isso dependerá de como será realizada a transferência de tecnologia e a capacitação da indústria até lá, diz a Telebras. O objetivo é que todos os componentes do segundo modelo, ou pelo menos a maioria deles, sejam produzidos aqui.
“Alcântara hoje está sendo reconstruída devido a tentativas frustradas no passado e não comporta atualmente um foguete do tamanho deste. Esperamos que até lá tenha condições e capacidades para lançar um satélite deste tamanho. O primeiro passo está sendo dado agora com este contrato”, explica Nascimento Neto.
Há dez anos, uma explosão em Alcântara matou 21 profissionais civis e adiou os projetos do programa espacial brasileiro. No dia 22 de agosto de 2003, o foguete Veículo Lançador de Satélites (VLS) foi acionado antes do tempo. A torre acabou explodindo e matando os homens que trabalhavam.
Processo demorado
O projeto para a aquisição do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC) teve início em 2005, com um processo de consultas de preços a diversos fornecedores internacionais. Em 2012, Embraer e Telebras firmaram uma parceria que culminou com a criação da Visiona Tecnologia Espacial, a empresa que será responsável pela compra e desenvolvimento do sistema.
No último dia 15, após o escândalo de que a Agência de Segurança Nacional (NSA), dos Estados Unidos, espionou e-mails e telefonemas de pessoas em diversos países, inclusive o Brasil, revelado por documentos do ex-técnico da CIA Edward Snowden, a Visiona divulgou, enfim, que Thales e Arianespace eram as escolhidas para o projeto, que buscará impedir qualquer tentativa de invasão a dados sigilosos compartilhados no país.
Segundo Nascimento Neto, o programa levou tempo para sair do papel porque envolve diversos órgãos - além dos ministérios das Comunicações, Defesa, Ciência, Tecnologia e Inovação, participam Inpe, Agência Espacial Brasileira (AEB) e Telebras. “Todo mundo queria ter um pedaço, uma participação, e isso dificultou fechar o processo”, explicou.
O SGDC atenderá às necessidades do Programa Nacional de Banda Larga, garantindo a chegada da internet a mais de 2 mil municípios do país, que, devido às condições de difícil acesso, não é possível por meio de uma rede de fibra óptica terrestre.
Já a faixa militar permitirá um aumento de dez vezes de potência em relação à atual capacidade de transferência e armazenamento de dados usada pela Defesa no Star One, que é alugado e administrado por uma multinacional mexicana desde 1998, quando satélites estatais brasileiros foram vendidos com a privatização da Embratel.
Desde então, sistemas de informações essenciais ao Brasil passam por controles estrangeiros.
Com o lançamento do SGDC, o Brasil retoma a administração sobre uma infraestrutura própria. O modelo, que pesará mais de 6 toneladas e terá vida útil de 15 anos, será administrado em um centro conjunto da Defesa com a Telebras em Brasília.
“Haverá mecanismos de controle que irão impedir invasões à rede de dados”, garante o diretor da Telebras. As bandas serão protegidas por sistemas de criptografia.
O contrato com a Thales Alenia Space prevê, segundo a Telebras, diversos temas que a indústria brasileira deseja aperfeiçoar para que possa produzir autonomamente partes do satélite na próxima década, como painéis solares, baterias, softwares, sistemas de controle e a parte mecânica.
“O programa tem uma lista enorme de temas específicos que serão tratados em um contrato separado para garantir a transferência de tecnologia. Estamos avaliando com diversos órgãos as pessoas que serão qualificadas e que podem contribuir com os projetos futuros. Neste período de dois anos, várias equipes de 100, 150 profissionais podem ser capacitados”, afirma ele.
“Está tudo sendo tratado ainda com muito cuidado e cautela, pois envolve escolher as empresas que poderão participar dos projetos futuros”, explica.
O diretor de desenvolvimento de negócios da Thales Alenia Space no Brasil, Sergio Bertolino, disse ao G1 que a empresa não quer “simplesmente transferir o conhecimento para produção de pequenos elementos, mas sim o conhecimento para o cérebro do satélite, para que a comunidade espacial brasileira, aos poucos, tenha autonomia para fazer o seu próprio satélite”. Conforme Nascimento Neto, este é um dos tópicos do contrato.
“Isso faz parte do plano de transferência de tecnologia, que o cérebro do satélite, os softwares de dados, sejam produzidos aqui no futuro. Mas isso demandará, no mínimo mais três anos após o lançamento deste (2016). Vai depender da capacidade da indústria brasileira absorver a tecnologia”, diz.
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