Por Joana Cunha
A ação mais valiosa que a Embraer tem hoje é a “golden share” do governo brasileiro –a “ação de ouro” concede poder de veto numa eventual venda da companhia para a Boeing, caso avancem as tratativas entre as duas empresas anunciadas nesta quinta-feira (21).
A opinião é do economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, que foi presidente do BNDES nos anos 1990 e atuou no processo de privatização da Embraer. Para ele, o governo tem de extrair os melhores benefícios que o negócio pode trazer à indústria brasileira, fazendo exigências como manutenção da produção no país.
Folha – Como o sr. avalia as tratativas entre Boeing e Embraer?
Luiz Carlos Mendonça de Barros – Quando saiu a notícia de que a Airbus tinha comprado a operação de aviões pequenos da Bombardier, em outubro, eu comentei com várias pessoas que a Embraer ia ser comprada pela Boeing. Ela faria isso para incorporar na linha de produtos os aviões abaixo de 120 ou 130 lugares. Quem tem esse mercado é a Embraer. A Boeing não tem que comprar a Embraer. Ela tem que comprar o mercado da Embraer.
‘Comprar o mercado’ como?
Quando saiu o negócio da Airbus, eu te garanto que, no dia seguinte, a Boeing começou a conversar com a Embraer. Não é a questão de produzir aviões. É comprar o mercado para ter a linha completa. Aí o preço que ela vai pagar não está relacionado a Ebitda, a lucro, coisa nenhuma.
Qual é a grande importância da Embraer para a Boeing?
A Boeing terá que ter aviões menores, de 90, 110, 75 lugares, na linha dela para competir com a Airbus [que em outubro anunciou acordo com a Bombardier no mercado de aviões menores]. E quem tem tecnologia de produção de software é a Embraer. E, aí, o que o governo tem que fazer é, sabendo dessa necessidade, extrair compromissos da Boeing que tenham reflexo sobre a indústria brasileira.
Como o governo deveria aproveitar a “golden share”?
A ação mais valiosa que tem na Embraer hoje é a “golden share” do governo. Ela vai valer mais do que a ação normal num contexto desses porque tem o poder de veto. Isso dá ao governo o poder de impor certas condições. Mas tem que ser usado em benefício da empresa e da economia brasileira, e não como um viés nacionalista ultrapassado. Precisa ter a dimensão do que vale isso hoje. O único risco é o Temer ter uma febre nacionalista que leve para o lado da importância de ser brasileiro.
No caso da associação entre Bombardier e Airbus, Québec é nacionalista, eles fizeram sob a forma de uma associação em uma outra empresa.
Que condições o governo deveria impor?
Por exemplo, a produção. A Embraer é um software de como se produz avião pequeno. Mas ela praticamente compra tudo de terceiros. Então, é muito fácil para a Boeing pegar esse software e levar para os Estados Unidos. O governo vai ter que usar a “golden share” para impor essas condições.
A produção tem que ser aqui. E aí é importante porque a produção da Boeing vai ser muito maior do que a Embraer produz hoje. O objetivo tem que ser absorver mais produção aqui no Brasil.
Como os órgãos de concorrência vão avaliar isso?
Isso eles sabem fazer direito. O importante é que a bola agora está com o governo brasileiro. Ele tem que extrair o máximo sem atrapalhar o negócio. Se a Boeing não comprar a Embraer, ela vai desenvolver a linha de aviões dela. E aí a Embraer vai ficar fora. Como é que ela vai concorrer com a Boeing e a Airbus?
Como fica a área de defesa da Embraer?
A Boeing tem mais coisas em defesa do que a Embraer. Poderia obrigar a ter uma colaboração.
FONTE: Folha de São Paulo
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