O submarino da Armada Argentina ARA Santa Cruz, o primeiro da classe TR-1700, ingressou no Complejo Industrial Naval Argentino (CINAR) em 16 de junho de 2014 com a finalidade de iniciar os preparativos para colocá-lo fora d’água e proceder os trabalhos de reparação geral, incluindo a substituição das baterias que alimentam seu motor elétrico quando o submarino navega abaixo da cota periscópica.
Esses trabalhos, por sua complexidade, costumam ser chamados tanto de Reparo de Meia Vida (sigla MLU em inglês) quanto de Período de Manutenção Geral (PMG) – no caso, o uso do termo PMG para um submarino, incluindo corte de casco para remoção, revitalização e substituição de equipamentos, pode ser mais apropriado por não ser realizado apenas na “meia vida” da embarcação. Por exemplo, o submarino Tupi da Marinha do Brasil já passou por seu segundo PMG, o primeiro deles após cerca de sete anos de operação, e o último deles recentemente. Falaremos da experiência brasileira mais à frente, porque as histórias de reparos dos submarinos dos dois países se cruzaram há cerca de 15 anos. Voltemos ao ARA Santa Cruz.
Após o ingresso em meados de 2014 no CINAR, em 1º de novembro daquele ano o Santa Cruz entrou no Synchrolift (elevador de navios) do estaleiro estatal Tandanor (que faz parte do complexo CINAR) com a supervisão de especialistas da Direção Geral da Armada Argentina e da própria tripulação do submarino.
Enquanto o ARA Santa Cruz era colocado fora d’água para reparos, o ARA San Juan passava pelos testes de mar para validar a efetividade dos reparos e o desempenho do submarino no mar, antes de ser aprovado para retorno às operações da Armada Argentina. Porém, essa não é a primeira vez que o Santa Cruz inicia um período de grandes reparos como esse.
Na virada do século, reparos no Brasil
Em 1999, o ARA Santa Cruz foi enviado para o Rio de Janeiro, Brasil, onde entrou no Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ). Lá, ele passou por um período de manutenção geral (PMG), em que seu casco foi cortado para permitir a remoção de seus 960 elementos de baterias, além do sistema completo de motores e alternadores. Ele também teve seu casco completamente analisado e reparado. Ou seja, serviço equivalente ao que irá passar novamente agora, porém na Argentina.
À época, o AMRJ acumulava uma bem-sucedida experiência de construir submarinos da classe “Tupi” (IKL-209-1400), tendo acompanhado a construção do primeiro da classe na Alemanha e realizado a construção de outras unidades da classe: o Tamoio (início da construção em 1987 e incorporação em 1995), o Timbira (entregue ao setor operativo em 1997) e prontificava o Tapajó (entrega em 2000). Tinha também em construção, desde 1996, o Tikuna, aperfeiçoamento da classe.
Mas, principalmente, o AMRJ também acumulava experiência no PMG de submarinos de projeto alemão, tendo iniciado em 1996 esses trabalhos no Tupi, com corte do casco e separação das seções 10/20. Nas imagens acima, pode-se ver algumas etapas dos trabalhos, realizados num dos dique do AMRJ que, coincidentemente, se chama Santa Cruz. Posteriormente o dique recebeu cobertura para melhorar as condições desses trabalhos, e também foram desenvolvidos procedimentos de Load-in e Load-out de submarinos para que esses reparos também pudessem ser feitos na Oficina de Submarinos do AMRJ (permitindo que hoje mais de um submarino possa passar por grandes reparos simultaneamente, no AMRJ).
Voltando a 1999, o domínio das tecnologias de manutenção, reparo e construção credenciou o AMRJ a participar do então chamado Reparo de Meia Vida do submarino argentino ARA Santa Cruz.
O empreendimento de reparação do submarino Santa Cruz foi realizado de forma conjunta com a Armada Argentina. Assim, as obras que começaram no Brasil foram concluídas na base naval argentina de Puerto Belgrano. O submarino voltou ao serviço ativo em 10 de julho de 2002 em um evento no Naval Apostadero de Buenos Aires(ADBA), onde participaram autoridades argentinas e brasileiras. Pode-se comparar o tempo daquele primeiro PMG do ARA Santa Cruz realizado em parte no Brasil e em parte na Argentina, e que durou cerca de três anos, com os quase sete anos que esses trabalhos demandaram na Argentina para o ARA San Juan – mas deve-se levar em conta diversos fatores, não só financeiros, mas de aprendizado e domínio da atividade: por exemplo, o primeiro PMG de submarino classe “Tupi” no Brasil, realizado no líder da classe, levou mais tempo do que o demandado para outros que se seguiram.
Agora, novo período de reparos na Argentina
Como apontado no início da matéria, em 2014, uma vez completados os reparos da meia-vida de seu gêmeo, o submarino ARA San Juan (S-42), chegou a vez do Santa Cruzrealizar o mesmo processo no complexo naval argentino CINAR. Com a experiência adquirida pelas equipes técnicas de Tandanor com o projeto da substituição das baterias do submarino Salta (S31) em 2004 e do reparo de meia-vida do San Juan (S42) entre 2007 e 2014, foi decidido que o estaleiro estatal seria responsável pelo agora chamado “programa de reparos de extensão da vida útil” do Santa Cruz (S41).
Vale anotar, apenas a título de curiosidade, que ao entrar na área portuária para o início dos trabalhos o navio sofreu um encalhe, mas conseguiu ser removido por rebocadores após duas horas de trabalho.
Em 2015, iniciou-se o processo de substituição de suas 960 baterias, a revisão e substituição de componentes no snorkel, periscópio de busca e periscópio de ataque, reparos e manutenção nos motores. O trabalho deve terminar em 2018 ou 2019. Não está claro, até o momento, se as baterias estão sendo substituídas por novas ou se estão sendo recondicionadas, como foi o caso do período de reparos do ARA San Juan
Revisão de procedimentos
Com o desaparecimento do submarino ARA San Juan na semana passada, por causas ainda desconhecidas em detalhe, a Armada Argentina deverá, na nossa opinião, realizar uma revisão de procedimentos de modernização do ARA Santa Cruz, principalmente com relação a baterias recondicionadas, caso se comprove os relatos de que houve um curto-circuito nas mesmas e que este possa ser um dos fatores que levaram à perda do submarino.
Não se pode mais pensar em economizar num item de importância fundamental e que pode elevar o risco de explosão num submarino, pelo acúmulo de hidrogênio a bordo – uma das hipóteses, dentre outras, para o desaparecimento do ARA San Juan.
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