Quatro anos após o mundo saber que a então presidente Dilma Rousseff, ministros de Estado e a Petrobras eram espionadas pelos Estados Unidos, Sérgio Etchegoyen, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, reúne-se com dirigentes da CIA e do FBI em Washington nesta semana.
Em 2013, quando da divulgação da espionagem contra Dilma, a petista chegou até mesmo a cancelar uma visita oficial que faria aos Estados Unidos e condenou a medida em discurso na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em Nova York
Para o professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Paulo Velasco, entretanto, a relação entre Brasil e Estados Unidos experimentou um momento de afastamento, mas nunca houve um rompimento e agora deve haver uma retomada da parceria entre os dois países. Em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, o professor da UERJ também comentou o combate ao tráfico de drogas, o postulado histórico de que a América Latina seria o quintal dos Estados Unidos, a política externa do presidente Michel Temer (PMDB) e a troca de informações entre os países do Mercosul e da Unasul.
Existe cooperação entre Brasil e Estados Unidos?
A cooperação entre Brasil e Estados Unidos não é algo totalmente novo nas áreas de Defesa e Inteligência. Além de ser uma tradição entre os dois países, isso tem crescido nos últimos tempos e não é algo que deva ser especificamente atribuído ao governo Michel Temer. Na verdade, bem antes eram perceptíveis os sinais de maior concertação entre os dois países. Por exemplo, havia uma preocupação muito grande com a segurança dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro 2016, e o Brasil desenvolveu uma série de contatos com vários países mundo afora, inclusive com os Estados Unidos. Na área de Defesa, eu destaco muito especialmente um acordo firmado entre os dois países em 2015 sobre Defesa e também, no mesmo ano, um acordo sobre uma troca de informações militares sigilosas. Tudo isso acabou gerando um acordo em 2017, que foi pouco repercutido mas que é muitíssimo importante. Esse acordo foi negociado em março desse ano e é chamado de Acordo Marco ou Acordo Mestre de Troca de Informações. Este Acordo permite que, a partir de sua entrada em vigor, os dois países compartilhem de informações sensíveis, inclusive sobre armamentos. Até aqui, neste setor de Defesa e Inteligência, a cooperação militar entre Brasil e Estados Unidos limitava-se à compra e vende armas. Agora, com o acordo, os dois países vão compartilhar experiências e adotar normas mais duras de segurança para evitar vazamentos de dados e informações."
Tráfico de drogas
"O Brasil está inserido numa rota muito importante de tráfico internacional, especialmente de cocaína. O Brasil está ao lado de grandes produtores de cocaína, especialmente Colômbia, Bolívia e Peru, e é visto como país de trânsito [desta droga], por exemplo, para países da África e da Europa. Por isso, os órgãos de controle de tráfico de drogas dos Estados Unidos percebem como é importante manter a cooperação com o Brasil. Somos um país com fronteiras terrestres muito extensas e com um vasto litoral para o Oceano Atlântico, por onde navega a IV Frota dos Estados Unidos. Então, estabelecer mecanismos de cooperação nesta área — monitoramento do tráfico — torna-se muito importante para a segurança do Brasil, dos Estados Unidos e para vários outros países."
A América Latina é o quintal dos Estados Unidos?
"Isso já não faz mais muito sentido. Na verdade, os Estados Unidos ainda mantêm posições e, em alguns casos, presença física em alguns países da América do Sul. Mas não dá para dizer que os Estados Unidos ainda vejam países como Brasil e outros latino-americanos como seu quintal. Isso já há algum tempo não é assim. Tanto é que, em vários casos, como o da repressão ao tráfico de drogas, há visões divergentes entre Brasil e Estados Unidos. Neste caso, os Estados Unidos privilegiam a War on Drugs (Guerra às Drogas), expressão criada nos anos 70, no governo de Richard Nixon, enquanto o Brasil não vê necessidade de militarizar a questão. Então, não dá para dizer que ainda somos o quintal dos Estados Unidos. Episódios como o de uma base militar americana na Colômbia e a possível celeuma criada há alguns anos por uma possível base norte-americana no Paraguai são vistos como episódios isolados."
Sobre a reaproximação Brasil e Estados Unidos ser fruto da "guinada" Michel Temer:
"Durante os governos do PT, houve de fato momentos de muito distanciamento entre os dois países e de certa tensão como, por exemplo, as divergências em torno do programa nuclear iraniano, o escândalo com a espionagem, mas houve momentos de intensa aproximação também dos governos Lula com os governos de George W. Bush e Barack Obama. Então, houve momentos de diálogo e aproximação, inclusive com a celebração de acordos militares, estes celebrados no governo Dilma em 2015, depois dos escândalos da espionagem revelados em 2013. O que o governo Michel Temer está fazendo não é nada muito diferente do que já vimos em anos anteriores, inclusive nos governos do Partido dos Trabalhadores. Eu não consigo enxergar uma reorientação robusta da política externa brasileira. Seja na chancelaria passada, com José Serra, seja na atual, com Aloysio Nunes Ferreira, continuamos a ver o Brasil muito ligado aos demais países Brics, com o Temer fazendo questão de participar, pessoalmente, das últimas cúpulas do Brics. O Brasil mantem seus laços e não abre mão do relacionamento com os Estados Unidos. Portanto, o que estamos vendo no governo atual é nada muito diferente dos governos anteriores. Deu até a impressão de que algo poderia mudar quando José Serra traçou as diretrizes do Ministério das Relações Exteriores. Mas, na prática, praticamente nada mudou. Por sinal, continuamos muito acanhados em termos de política externa."
Troca de informações entre países do Mercosul:
Há algumas iniciativas importantes no âmbito do Mercosul porém mais no âmbito da Unasul. Mas em relação ao Mercosul: quando pensamos na tríplice fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai, já existe desde a década de 90 o Comando Tripartite da Tríplice Fronteira. Esse Comando reúne (obviamente) Brasil, Argentina e Paraguai, tentando lidar de maneira combinada e concertada com os desafios próprios de uma extensa região de fronteira como contrabando, narcotráfico e tudo mais. No âmbito da Unasul, existe desde 2008, o Conselho de Defesa Sulamericano (CDS) que busca articular não somente os quatro países do Mercosul como, principalmente, todos os doze países da América do Sul em temas de Segurança e Defesa. Embora não seja tão ativo como gostaríamos de esperar, o CDS deve ser visto como uma boa novidade. Agora, é evidente que sempre há espaço para melhorar, no que tange à harmonia de esforços e à troca de informações em Segurança, Defesa e Inteligência. Principalmente para o Brasil que tem fronteiras com quase todos os países da América do Sul e, por isso, precisa estar muito bem harmonizado com seus vizinhos."
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