A vitória de Michel Temer e de seus ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria da Presidência) na Câmara dos Deputados ultrapassa os limites da ética. Quem diz isso é o cientista político Antonio Marcelo Jackson em entrevista à Sputnik Brasil, um dia após o presidente derrubar a segunda denúncia que pesava contra ele.
Também historiador e professor do Departamento de Educação e Tecnologias da Universidade Federal de Ouro Preto, em Minas Gerais, Jackson vê procedência nos argumentos da oposição de que a vitória de Temer foi obtida à custa de "compra de votos" e "venda de leis e portarias", como foi denunciado por muitos.
Na última quarta-feira, 25, por 251 votos contra 233, 2 abstenções e 25 ausências, a Câmara dos Deputados decidiu pela aprovação do relatório do deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), recomendando o arquivamento da denúncia do ex-Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, contra Michel Temer e seus dois ministros por organização criminosa e obstrução da justiça. O relator considerou a denúncia inepta e sem fundamento jurídico, sendo seguido por 251 dos seus pares.
Os dias que antecederam a votação foram marcados por intensas reuniões de Michel Temer, seus ministros mais próximos e diversos parlamentares, boa parte deles contemplada com generosas verbas para atender às emendas propostas ao Orçamento. Cálculos iniciais avaliaram essas verbas em 12 bilhões de reais, cifra posteriormente corrigida para 32 bilhões de reais. Mas, afinal, quanto custou a segunda vitória de Michel Temer na Câmara dos Deputados? É o que responde Antonio Marcelo Jackson:
"Em relação aos nossos bolsos, custou uma verdadeira fortuna. A quantidade de verbas liberadas para emendas [parlamentares] extrapola os limites da ausência de ética. Maquiavel, quando citou há mais de 500 anos que a política é praticada com ausência de ética, queria dizer o seguinte: 'Olha, eu acredito em tal coisa e, quando eu for votar alguma coisa, eu negocio isso em troca de alguma outra ideia ou de vocês aprovarem uma proposta minha'. Em suma, o que aconteceu foi isso."
Antonio Marcelo Jackson também opinou se, com esta segunda vitória consecutiva na Câmara, o presidente ficará refém das bancadas que lhe asseguraram o triunfo:
"Esse nosso modelo de presidencialismo de coalizão torna o Presidente da República refém do Congresso Nacional. Agora, ser refém e se aliar a uma falta de escrúpulos é uma outra história. Porque refém do Congresso o Collor foi, Fernando Henrique foi, o Lula foi e a Dilma foi. Mas o que vem acontecendo é outra coisa. Temos aí a questão das reformas em tramitação no Congresso. E como elas vêm sendo tratadas entre os poderes Executivo e Legislativo? Simplesmente, pela compra de votos. E o que isso significa? Que este governo já não tem credibilidade alguma junto à população. Mas para parte desse Congresso Nacional isso não importa, pois ele apoia o governo, ainda que o número desses apoiadores esteja diminuindo."
Sobre a possibilidade de a decisão dos deputados influenciar o voto da população nas eleições gerais de 2018, o especialista destaca o argumento da irracionalidade do voto, muito recorrente na Ciência Política. Segundo ele, o eleitor vota, literalmente, em qualquer coisa, devido à "memória tradicionalmente curta que ele possui".
"Então, isso significa que os congressistas agem de acordo com suas conveniências. Por exemplo, a imprensa está registrando que Michel Temer vem registrando um decréscimo no número de seus apoiadores no Congresso. E por que isso está acontecendo? Por divergência política? Tão somente por mero interesse de quem pretende se reeleger no próximo ano e/ou eleger seus candidatos. E os demais que mantêm apoio estão contando com a já citada irracionalidade do voto. É bem verdade que, quando chegarmos a maio/junho do ano que vem, a conversa será diferente. Mas, até lá, o que nós vamos ter, lamentavelmente, é esse cenário: um grupo de deputados federais que, desde o ano passado, concluiu que não precisa mais representar a sociedade e, com a distância das eleições, tem a certeza de que podem fazer qualquer coisa. E, por outro lado, temos o Sr. Michel Temer ciente de que pode contar com isso."
Com o arquivamento da denúncia contra Michel Temer, Eliseu Padilha e Moreira Franco, o Supremo Tribunal Federal não poderá conhecer o documento e o processo contra os três denunciados ficará suspenso até o final do mandato, em 31 de dezembro de 2018. A partir de 1 de janeiro de 2019, ficarão no entanto sujeitos à apreciação do feito pela Justiça de Primeiro Grau, a chamada Justiça Comum, se a partir daquela data não tiverem mais prerrogativa de foro ou foro privilegiado.
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