Partimos de Espora em dois Hercules (eu estava viajando no que transportava o ITB) e chegamos a Comodoro Rivadavia onde planejamos o voo de travessia para as ilhas. Pela noite decolamos em direção ao arquipélago, voávamos baixo para não sermos detectados por um radar inimigo. A altitude era tão baixa que a água do mar respingava no para-brisa do avião, e ele não poderia inclinar-se lateralmente para não bater com a asa no mar, a menos que subisse (algo suicida, pois seria um alvo fácil).
A cada meia hora subíamos rapidamente para realizar uma varredura de radar para detectar alguma atividade inimiga, e voltávamos para o voo rasante. Enquanto isso, estávamos voando com os olhos colados no horizonte com o propósito de identificar alguma silhueta de um navio hostil. Acredito que os elogios recebidos pelos nossos companheiros pilotos da Força Aérea e da Marinha, relacionados com a sua coragem e seu profissionalismo, são mais do que merecedores para o grau de risco enfrentado, especialmente em aviões de transporte.
Após três horas de voo fomos informados de que o aeroporto estava sob ataque e deveríamos retornar. Somente na terceira tentativa conseguimos cruzar com os dois C-130. Foram momentos de tensão e sentíamos como se estivéssemos em “um caixão voador”.
Logo depois se juntou a Ríes Centeno o Sargento Eduardo Sanchez (do Exército Argentino) que operaria o Radar RASIT, único radar portátil disponível que poderia fornecer informações sobre o alvo, embora fosse um radar de vigilância terrestre.
O RASIT dava as informações em milésimos e o sistema do Exocet operava em graus e quilômetros. Fizemos uma tabela de conversão para poder alimentar o dados no sistema. Além disso, deveria executar outros cálculos, que também foram tabelados. A ITB era tão precária que alguns dados eram introduzidos com o auxílio de potenciômetros para ajustar o valor de cada tensão medida com um “testador”.
Como já mencionado, o sistema era transportado em duas carretas, mais uma vagão para transportar os mísseis uma vez que não podíamos deslocá-los na carreta de lançamento que havíamos previsto. Graças a uma grua montava-se sobre as carretas de lançamento. Logo em seguida, alinhava-se o eixo da carreta de lançamento e com o eixo neutro do RASIT e iniciava-se o processo de conexão de todo o sistema, acionando-se o gerador e verificando se tudo estava em ordem.
Em função do peso do sistema só era possível mover-lo pela única estrada pavimentada entre Puerto Argentino e o aeroporto. Finalmente, para colocá-lo em posição de tiro, tivemos que executar esta operação durante a noite para não atrair a atenção das pessoas.
Ao anoitecer (cerca de 1800 horas) começou a manobra de montagem, e o lançador na bateria por volta das 2100. Em torno das 4 horas da manhã começou a manobra de desmontagem para guarda-lo em um galpão, de modo que com as primeiras luzes do dia não era possível avistar a instalação (pelo que se sabe, os ingleses nunca tiveram conhecimento da existência do sistema).
No dia 6 de junho, à 0100 hora, o RASIT detectou um navio. Entramos com as informações na ITB e efetuamos todo o processo para o lançamento, mas o míssil não “saiu”. Eu realmente tive uma grande decepção, mas decidi repetir o procedimento com o segundo míssil.
Naquela circunstância não pude determinar se o problema era uma falha da ITB ou do míssil. Devido à precariedade da instalação, para a realização de um novo lançamento seu deveria esperar uns vinte minutos, tempo este tomado pelo “descarregamento” dos capacitores dos circuitos da ITB e só assim alimentar o sistema com novas informações. Em função da excitação do momento, sem esperar o tempo necessário, fizemos o segundo lançamento.
Foi uma grande frustração. Foi provado que era possível lançar o míssil, mas eu não poderia explicar por que o míssil não tinha seguido a trajetória prevista. Quando alguns dias depois Ríes Centeno me contou o tempo decorrido entre os dois lançamentos, aí eu entendi o que estava errado. Deve-se acrescentar, informalmente, que o lançamento do míssil nos arremessou, eu e os dois tenentes, a vários metros de onde estávamos. Um deles caiu sobre uma caixa que continha todas as minhas anotações, tabelas e notas e naquela escuridão tivemos que encontrar aquela documentação perdida que havia sido espalhada.
No dia seguinte fizemos um pedido a Puerto Belgrano para que enviassem mais mísseis e alguns dias depois, recebemos outros dois.
Durante esse tempo revisei completamente o sistema e detectei que não chegava a alimentação de 400 ciclos. Com a ajuda do Sr. Sanders (da equipe de Ríes Centeno) descobrimos que um dos diodos do regulador de tensão havia queimado. Aliás, este era o único componente inglês de todo o sistema! Eu comecei a procurar por um substituto e o encontrei no Batalhão Antiaéreo do Corpo de Fuzileiros Navais (BIAA), comandado pelo capitão de corveta IM Héctor Silva, que estava posicionado em Puerto Argentino. No conjunto de sobressalentes do sistema “Tiger Cat” havia exatamente o mesmo diodo que eu precisava! Foi realmente um milagre!
Trocamos o diodo em questão e a ITB voltou a funcionar e nas noites seguintes continuamos colocando o sistema em posição e retirando-o antes do amanhecer. Assim, os dias se passaram, mas agora eram os navios britânicos que não apareciam. Eles não tinham detectado a existência do nosso sistema, mas por razões desconhecidas eles atravessavam rotas que não estavam ao alcance do nosso sistema.
Essa tensa espera gerou um momento com toque de humor ao drama da situação e que mais tarde acabou “batizando” a operação.
Primeiro eu ri, mas em última análise, até como forma de combater o frio, eu aceitei a ideia e por volta das onze da noite do dia 11 de junho e na escuridão total, os tenentes Rodriguez e Abadal e um capitão de fragata que era eu, sem que ninguém nos visse, demos uma volta ao redor da ITB dançando o “Uka Uka”. Voltamos a tomar os nossos lugares na ITB sem que ninguém tivesse notado e com a promessa dos dois tenentes de que não contariam o que tínhamos feito.
Umas três horas mais tarde (não acredito em bruxas, mas …), por volta das 2 horas da manhã do dia 12 de junho, um navio entrou na zona de fogo do nosso lançador e Ríes Centeno conseguiu captar o alvo com o RASIT, informando-nos que o tinha no limite do seu alcance.
Com toda a pressa prosseguimos com o procedimento de lançamento do míssil, acompanhando o brilho do bocal na escuridão da noite. Então vimos um breve flash, que então imaginei que fosse um míssil SeaCat lançado contra o Exocet, e em seguida uma explosão que iluminou todo o horizonte e se refletiu nas nuvens baixas. O míssil tinha impactado o cruzador leve Glamorgan (posteriormente reparado e modernizado, foi transferido à Marinha do Chile).
Todas das unidades de fuzileiros navais e do Exército que estavam em posições mais elevadas viram o lançamento (na verdade era a esteira do propulsor do míssil no escuro) e, simultaneamente, todos passaram a transmitir a novidade relatada, assim momentaneamente os canais de comunicação ficaram saturados. No dia seguinte, pela noite, os ingleses não apareceram em Puerto Argentino e não houve fogo de artilharia naval.
Quando na noite seguinte quisemos reinstalar o ITB, o guindaste que utilizávamos para colocar os mísseis quebrou e, portanto, não podíamos mais entrar em posição e nós estávamos no final da guerra.
Na manhã do dia 14 de junho recebemos um forte bombardeio naval. O 5 º Batalhão de Fuzileiros Navais comandado pelo meu parceiro, então capitão de fragata Hugo Robacio, tinha esgotado sua munição e isso acontecia com quase todas as outras unidades. Quando a queda tornou-se iminente, juntamente com o tenente Rodriguez preparamos umas granadas de mão para explodir a ITB, mas o almirante Edgardo Otero, após perguntar se os britânicos tinham o sistema Exocet e diante da minha resposta que sim ele ordenou: Não destrua a ITB e eles não vão aprender nada de novo sobre o Exocet, mas verão como é que acertamos um navio e assim conhecerão a capacidade da Marinha da Argentina. (na foto abaixo um militar britânico em frente à carreta após a queda de Puerto Argentino).
Após a guerra, e tal como previsto pela Marinha, eu dei duas entrevistas para jornalistas. Para comemorar o vigésimo aniversário da guerra, um canal de TV britânico obteve permissão para entrevistar e filmar algumas das pessoas que tiveram envolvimento no conflito. Depois deles, eu tive a oportunidade de entrar em contato através de E-mail com o oficial o inglês que estava de guarda no passadiço do Glamorgan quando o navio foi atingido, e trocamos cumprimentos.
Nós também descobrimos que, como é do conhecimento público, os britânicos venderam para a Marinha do Chile um sistema chamado Excalibur (que segundo fontes francesas os ingleses haviam instalado em Gibraltar), que nada mais era do que a nossa ITB, mas de forma melhorada e não improvisada.
A derrota não é um evento desejado e é difícil superar o sentimento de raiva e impotência que é suportado, especialmente quando se sofre da humilhação de se tornar prisioneiro de guerra. O êxito técnico que significou o lançamento efetivo poderia ser uma satisfação pessoal de todos os que participaram do projeto, desde a sua criação até a sua realização, mas eu tenho, particularmente, a seguinte pergunta: o que teria acontecido se, em vez de falhar, a primeira tentativa tivesse êxito?, teria havido um efeito favorável sobre a nossa posição no futuro das circunstâncias? Ninguém pode saber ou nunca vai saber.
É meu desejo que este artigo seja uma homenagem e agradecimento a todos aqueles que de diferentes maneiras colaboraram para esta inédita experiência e também um incentivo para novas turmas de oficiais da Marinha enfrente os desafios que se apresentam as novas circunstâncias.
Finalmente, não posso deixar de agradecer aos meus dois filhos, que naquele momento se ofereceram como voluntários para ir para as Ilhas Malvinas, e minha a esposa que, além de ignorar meu paradeiro por mais de um mês, suportou, como muitas outras mães, a angústia de pensar que poderia perder seus filhos para sempre.
PODER NAVAL ..SEGURANÇA NACIONAL
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