sábado, 14 de maio de 2011

Brasil devassado

Sem um satélite próprio, o País depende de estrangeiros para proteger suas riquezas, fluir informações militares e até controlar o tráfego aéreo




Por Claudio Dantas Sequeira



Apesar dos avanços e recuos, uma das prioridades do governo brasileiro é reaparelhar as Forças Armadas. Pelos planos, em breve o Brasil ganhará um submarino de propulsão nuclear para patrulhar a costa, em especial a região do pré-sal, um grupo de caças de quinta geração para proteger o espaço aéreo do país; e armamentos de última geração para equipar os soldados que monitoram a porosa fronteira brasileira. Como em qualquer país com um poderio militar moderno, o plano do governo prevê que toda a comunicação entre as três forças seja feita via satélite, permitindo a troca rápida e segura de informações. Na teoria, a estratégia de defesa brasileira parece não ter falhas graves e obedece aos procedimentos das melhores forças armadas do mundo. Na prática, no entanto, existe um nó difícil de ser desatado e que, em tese, compromete todo o investimento bilionário que o País se prepara para fazer.



Ao contrário das principais nações desenvolvidas e emergentes do mundo, o Brasil não tem controle nem ao menos sobre um dos quase mil satélites que estão em órbita no mundo hoje. A Índia, por exemplo, tem seis deles dedicados a ela e a China, outros 60. Hoje, todas as informações brasileiras que trafegam pelo espaço – sejam elas militares, governamentais ou de empresas privadas nacionais – passam por satélites privados, controlados por uma única empresa, a Star One, do bilionário mexicano Carlos Slim. Na prática, o Brasil é um simples locador de um retransmissor espacial que tem como função principal gerar lucros para o seu dono. Em uma situação de conflito, seja ele militar ou econômico, em última instância o locador tem o poder de simplesmente cortar o sinal do satélite, fazendo com que todo o moderno aparato militar que o País pretende adquirir se torne completamente inútil.



Desde que o Brasil perdeu o controle sobre seus satélites, com a privatização da Embratel em 1998, nenhum caso semelhante ocorreu. Mas o que preocupa especialistas brasileiros em segurança é a mera possibilidade de que isso venha a acontecer. “Não há como negar, é uma ameaça à segurança nacional”, diz o engenheiro José Bezerra Pessoa Filho, do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) e ex-diretor da Associação Aeroespacial Brasileira (AAB). Sua opinião é compartilhada por diversos analistas e autoridades. “São informações fundamentais para a proteção de milhares de pessoas”, afirma Thyrso Villela, diretor de Satélites, Aplicações e Desenvolvimento da Agência Espacial Brasileira (AEB).



A dependência a satélites estrangeiros não é um problema restrito à área militar. O governo também depende da boa vontade alheia, ao custo de vários milhões de dólares, para obter dados meteorológicos vitais para a prevenção de desastres naturais como enchentes, furacões e tempestades tropicais. Ficam ameaçadas também a transmissão de dados bancários e as comunicações sobre tráfego aéreo, que em poucos anos terá de ser feito via satélite, conforme determina o padrão internacional. Algumas vozes argumentam que os contratos comerciais firmados pelo governo com empresas de satélites, como a Star One que comprou a Embratel, contêm salvaguardas que garantem a prestação do serviço. Nesse sentido, o descumprimento das cláusulas contratuais prevê multas milionárias. No entanto, numa situação extrema, seja de guerra ou de catástrofe natural, quem vai pagar a fatura pela perda de vidas humanas? O histórico recomenda cautela.



Ao menos em duas ocasiões o Brasil sofreu os efeitos da dependência. Em 1982, durante a Guerra das Malvinas, um dos satélites meteorológicos que fornecia imagens para o governo foi reposicionado pelos Estados Unidos e deixou de fornecer informações sobre o clima em todo o Hemisfério Sul durante dois meses. Em 2005, por conta do furacão Katrina, os americanos precisaram usar toda a potência de varredura de seus satélites para rastrear o fenômeno, reduzindo a frequência das imagens da América do Sul e do Brasil. “Se fossemos atingidos naquela época por um evento da magnitude do ciclone Catarina, que varreu a região Sul em 2004, ficaríamos no escuro”, afirma Villela, da AEB.



A história de dependência começou com a privatização do sistema Telebrás, em 1998. A Embratel, que operava os satélites BrasilSat, passou às mãos da americana Verizon e depois da América Movil, do magnata mexicano Carlos Slim, dona da Star One. Embora fossem satélites comerciais, o governo brasileiro detinha dois transponders de banda X, exclusivos para comunicações militares, instalados nesses satélites. Com a privatização da estatal, todo o controle passou para as mãos privadas.



Há, logicamente, salvaguardas pelas quais a operação desses satélites é feita somente por brasileiros. Mas os militares não têm controle sobre esses equipamentos, não podem desligar o satélite ou mudar sua posição. “As salvaguardas servem para mitigar o problema da soberania”, reconhece o coronel da reserva Edwin Pinheiro da Costa, chefe da seção de Telemática do Ministério da Defesa e responsável pelo Sistema de Comunicações Militares (Siscomis). Vale lembrar que a Verizon foi arrolada nos EUA numa polêmica sobre fornecimento de dados telefônicos de seus clientes ao FBI e a agências de inteligência do governo.



Uma das diretrizes da Estratégia Nacional de Defesa (END) é o desenvolvimento do Satélite Geoestacionário Brasileiro, o SGB. Para tirar o projeto do papel é preciso empenho político e recursos financeiros. Uma das tentativas é construir um foguete próprio capaz de lançar o satélite brasileiro. As primeiras tentativas terminaram com a destruição da Base de Alcântara, no Maranhão, após a explosão de um protótipo. O mais próximo que o Brasil chegou para voltar a ter satélites próprios foi uma minuta de intenções para firmar uma parceria com a França. No entanto, as negociações para que o acordo saia estão paradas há dois anos. Enquanto isso, todo o sistema de comunicações do País continua nas mãos do bilionário Carlos Slim.



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