Neste ano ALIDE foi a Plessis Robinson, no sul de Paris, para conhecer a história e as perspectivas de uma das maiores empresas globais da indústria global de defesa, a especialista em mísseis MBDA.
Se as quatro letrinhas do nome da empresa ainda podem pegar vários aficionados no contra-pé, alguns dos produtos da MBDA são conhecidos até por gente que nada entende da área de Defesa. O míssil Exocet, por exemplo, que foi uma das “estrelas” da cobertura da mídia na Guerra das Malvinas. Como recentemente várias fontes tem apontado o novo sistema de mísseis anti-aéreos Aster como o item de maior interesse da Marinha do Brasil para as nossas próximas fragatas de 6000 toneladas, venha ela de onde vier, Itália, França ou Grã-Bretanha, uma conversa com os executivos da MBDA se fez necessário
Entre 1995 e 2001 a indústria de defesa global passou por um importante ciclo de fusões e aquisições que a reorganizou formando um pequeno número de gigantes multinacionais. Antes disso, porém, as anteriores ondas de consolidação industrial tinham ocorrido quase sempre delimitadas pelas fronteiras nacionais, aglomerando sob uma única marca dezenas de pequenas empresas especializadas que não tinham mais condições de competir, numa época de orçamentos de defesa cada dia mais enxutos e tecnologias cada vez mais caras. Na Europa, surgiu a partir de meados da década de 70 um leque de empresas nacionais estatais como a Aerospatiale e British Aerospace, mas vinte anos depois a globalização da economia mundial, e principalmente a maturação do Mercado Comum Europeu, abriu as portas para que de uma hora para outra as barreiras que isolavam estas empresas ruíssem, formando novas oportunidades de associação entre as empresas locais. Uma das iniciativas mais notáveis destes novos tempos foi à criação da EADS – European Aeronautic Defense and Space Company, a partir de pedaços das empresas aeroespaciais nacionais da França, Alemanha e Espanha. Os Italianos que haviam agrupado suas indústrias aeroespaciais sob a holding Finmeccanica, pularam os Alpes e o Canal da Mancha para abocanhar a Westland inglesa e uma boa parte da área de radares da indústria britânica. O segmento da aviação civil de grande porte se organizou ao redor do “Grupo de Interesse Econômico” Airbus, um consórcio franco-britânico e alemão, posteriormente transformado em uma nova empresa propriamente dita.
Uma das últimas destas associações recebeu o nome de MBDA. Esta entidade especializada em sistemas de mísseis tornou-se quase que o monopólio europeu neste segmento, unindo diversos programas nacionais sob um grande guarda-chuva institucional desenhado para enfrentar no mesmo nível os gigantes americanos desta área, especialmente a Raytheon e a Lockheed Martin, que também tinham gasto boa parte das décadas anteriores comprando as empresas menores deste segmento. Em poucos anos, ficou claro que quem não fosse um gigante não teria qualquer futuro no mercado.
A criação da MBDA se deu em etapas, com o estabelecimento, inicialmente no Reino Unido, da Matra BAE Dynamics (MBD) em 1996 e da Aerospatiale Matra Missiles (AMM) na França, em 1999. Em dezembro de 2001 estas duas empresas e a área de mísseis da empresa italiana Alenia Marconi Systems se fundiram gerando a nova MBDA. Em 2005, os alemães da empresa LFK se associaram a ela para fechar o projeto europeu de mísseis numa única estrutura corporativa. A divisão societária final ficou sendo: BAE Systems com 37.5% das ações, EADS com 37.5% e Finmeccanica com 25% da nova empresa.
No dia de nossa visita, a MBDA estava recebendo um grupo de repórteres especializados que vieram conhecer as linhas Mistral 2 e VL Mica visando produzir conteúdo em tempo para publicação no período da Eurosatory 2010 ocorreria em Paris em algumas semanas depois. O tour começou com uma apresentação aos veículos que lançam os sistemas de defesa antiaérea terrestre da empresa européia. Num pátio lateral havia um caminhão equipado com um reparo duplo SIMBAD do tradicional MANPAD (míssil antiaéreo leve disparado do ombro do soldado). Ao seu lado, outro um reparo no solo permitia que todos os presentes chegassem bem perto dos sistemas de mira e de comunicações do SIMBAD. Mais à direita havia um caminhão transportador de mísseis de recarga VL MICA. A instalação destes mísseis no veículo lançador era efetuado por um guindaste localizado a ré da cabine do transportador. O último veículo é um modelo fechado de Comando e Controle (C2) onde dois operadores podem trabalhar num ambiente climatizado, interagindo em tempo real com um centro de combate localizado remotamente e recebendo dados sobre os alvos oriundos de uma multiplicidade de fontes locais e externas. O VL MICA é a versão terra-ar do conhecido míssil francês ar-ar MICA. Nesta função o míssil é lançado verticalmente (“VL”!) desde um casulo reclinável do veículo lançador. Com um alcance de 20 Km o VL MICA se posiciona exatamente entre o Mistral, que atende ao curto alcance, e o SAMP/T (com seus mísseis Aster), de muito maior longo alcance. Curiosamente, o VL MICA usa um veículo de C2 totalmente diferente daquele empregado no SAMP/T. Esta surpreendente falta de “conceito de família” entre as duas linhas da MBDA se explica pelo fato da empresa francesa Thales, que responde por esta área no programa Aster, não participar do programa VL MICA.
Realizada a fusão que criou a MBDA, um elemento importante a ser resolvido era como contemporizar o fato de que cada uma das linhas de produtos anteriores à criação da nova empresa, por definição, foi criada por uma das empresas nacionais sob encomenda dos seus governos locais. Por exemplo, a linha Exocet foi desenvolvida independentemente pela Aeroespatiale para uma demanda das forças armadas francesas, enquanto a linha Aspide foi criada pela Alenia sob instruções e financiamento da Marinha e Força Aérea italianas. Segundo Bruno de La Motte, ex-comandante do destróier francês Cassard (D614)e atual Consultor Sênior para produtos navais da MBDA, estes são produtos “legado” e por isso deverão ser tratados, desenvolvidos e comercializados de forma isolada entre si. Um exemplo disso é o programa FREMM onde os navios franceses serão entregues com mísseis antinavio Exocet e os italianos com o TESEO Otomat. A independência e o poder de ingerência dos governos individuais podem ficar incomodamente evidentes caso o Brasil queira comprar a FREMM italiana e deseje equipá-lo com o míssil de cruzeiro de origem francesa SCALPEm meados de abril deste ano o software da versão FREDA da fragata FREMM já se encontrava pronto. A modificação, melhoria, do seu radar Herakles para a função de defesa aérea do GT foi segundo o executivo da MBDA “um desafio menor”. O lançador Sylver da fragata já é compatível com o míssil Aster 30 de maior comprimento. Um fato que deve ser tomado em conta, é que a nova capacidade de disparar mísseis de cruzeiro como o SCALP naval, imediatamente, torna as FREMMs/FREDAs em alvo de maior valor para os submarinos, navios e aeronaves inimigas, o que coloca mais importância na defesa aérea do navio e do GT. Em contrapartida a disponibilidade de mísseis antiaéreos de longo alcance, como o Aster 30 imediatamente afasta a ameaça dos aviões de patrulha marítima, os “snoopers” ou “curiosos”, como são chamados na terminologia da MB).
Na Euronaval deste ano um dos destaques da MBDA na área de defesa aérea naval foi o lançador XX. Esta torreta leve com sistema conterador para mísseis SAM Mistral 2 foi apresentado pela primeira vez ao público. O forte crescimento do mercado de navios mais leves como corvetas e Navios Patrulha Oceânicos abre uma janela para um sistema mais automatizado do que o veterano reparo duplo direcionado manualmente Sadral. Por ser controlado automaticamente desde o COC do navio não mais é necessário colocar qualquer tripulante exposto no convés externo para disparar o míssil.
Conclusão
Como corporação, a MBDA está, só agora, saindo de sua conturbada fase de formação e caminha para renovar e ampliar sua extensa linha de produtos. A parceria industrial e a transferência de tecnologia com as indústrias dos países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, é um caminho esperado pela empresa nos próximos anos. A empresa atua em muitos segmentos e está exemplarmente trabalhando para maximizar a sinergia potencial de seus produtos entre eles, como bem se vê no caso da evolução do produto MICA. A verdade é que existe muito mais coisa para falar sobre a MBDA e suas variadas linhas de produtos do que se pode explorar em apenas meio dia. Da próxima vez falaremos mais detalhadamente das oportunidades que a empresa reserva para a FAB e para o Exército Brasileiro.
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