Agências de inteligência dos Estados Unidos e do Reino Unido conseguiram quebrar a criptografia de transmissões de drones da Força Aérea de Israel e por muitos anos observaram o que os veículos aéreos não tripulados (UAV) transmitiram para os seus operadores.
Os norte-americanos e britânicos também foram capazes de quebrar a criptografia de outros sistemas de defesa de Israel, como os caças F-16, o projeto de defesa antimísseis Arrow e satélites militares de Israel.
A violação foi revelada pela primeira vez em documentos e fotos vazadas pelo ex-analista da CIA e NSA Edward Snowden, e foram publicados ao mesmo tempo, pelo The Intercept,Der Spiegel e Yedioth Ahronoth no final de janeiro de 2016.
A divulgação dos documentos causou um clamor internacional, e as autoridades israelenses chamaram a operação de espionagem anglo-americana de “um duro golpe para a nossa segurança.”
De acordo com os documentos, Israel está operando uma grande frota de UAVs. Estes drones coletam inteligência sobre a Faixa de Gaza, na Cisjordânia, e em todo o Oriente Médio, e até mesmo têm sido usados para coletar inteligência para um possível ataque israelense ao Irã. Pelo menos dois modelos destes UAVs estão armados com mísseis e bombas utilizadas para assassinatos seletivos. As aeronaves operam a partir de bases em Israel, incluindo Tel Nof, Palmachim e Ein Shemer.
Os documentos fornecem um olhar sobre o mundo de segredos de Israel: a sua lista de alvos, objetivos, preferências e capacidades, bem como uma visão através dos olhos de Israel sobre seus inimigos. Com efeito, EUA e o Reino Unido têm desfrutado de capacidades avançadas de inteligência de Israel, vendo tudo o que Israel vê.
De acordo com um oficial sênior da inteligência: “É um tremor de terra. Isso significa que, eles nos despiram e, não menos importante, provavelmente significa que nenhuma das nossas ações de comunicação criptografadas é verdadeiramente segura para eles. Este é o vazamento mais grave na história da inteligência israelense”.
Nome código: Anarquista
Esta enorme operação anglo-americana de inteligência está em andamento desde 1998. Seu objetivo é quebrar os códigos e interceptar a transmissão de grandes poderes militares no Oriente Médio, suas forças aéreas e os seus sistemas de armas avançados e radares. As agências de inteligência americana e britânica foram capazes de quebrar as criptografias em sistemas de combate e de vigilância avançados usados pelo Hezbollah, Egito, Turquia, Irã e Síria, mas a maioria dos recursos e esforços por trás da operação, de codinome “Anarquista”, foi investida contra Israel.
A operação foi executada pela NSA americana (National Security Agency) e seu homólogo britânico, GCHQ (Government Communications Headquarters), a partir de duas bases: Menwith Hill, na Grã-Bretanha, uma base de vigilância conjunta usada tanto pelo Reino Unido e EUA, e da Base da Royal Air Force nas Montanhas Troodos, o ponto mais alto no Chipre. Esta é uma base enorme, cheia de antenas e aparatos de intercepção e de decodificação, alguns localizados em locais subterrâneos profundos.
A extensão da operação Anarquista é descrita nos arquivos que Edward Snowden obteve da NSA. Os arquivos incluem screenshots de vídeos gravados durante as operações dos drones, que documentam tudo o que as câmeras visualizaram. Entre os arquivos também estão apresentações em PowerPoint e memorandos internos e ordens – aparentemente para e de altos comandantes – sobre o progresso da operação.
Em alguns dos casos, os técnicos e analistas da Anarquista sabiam como determinar onde as imagens foram filmadas, decodificando uma parte especial da transmissão entre a aeronave e a base, em que o drone “atualiza” a base dizendo para onde ele foi. Assim, por exemplo, em 24 de junho de 2009, a base de Chipre documentou o movimento de UAVs israelenses perto de Nablus, e perto da aldeia palestina de Azzun. Em abril de 2010, eles identificaram drones perto de Attil.
Espionando Netanyahu
Depois do desastre do Comando Naval de 1997, em que 12 comandos foram mortos durante uma missão para assassinar um oficial sênior no Movimento Amal, Hassa Nasrallah afirmou que a emboscada que levou à morte dos comandos não foi coincidência, mas ocorreu com base em dados de uma operação planejada de inteligência. A IDF zombou de Nasrallah, dizendo que ele estava mentindo e que não havia nenhuma maneira dele saber sobre as principais operações secretas dos comandos navais. Mas acontece que na verdade Nasrallah estava certo. Com um sorriso arrogante, mais tarde ele apresentou fotos feitas a partir de drones numa conferência de imprensa, quando estavam vigiando a costa da Síria nas semanas antes do ataque.
O Hezbollah podia interceptar comunicações dos drones e descobrir quais áreas a IDF estava mostrando interesse em particular.
Na esteira do desastre do Comando Naval, a IDF investiu “esforços e recursos sem precedentes”, segundo um funcionário familiarizado com o assunto, a fim de criptografar a frequência das transmissões entre os drones e a base. Isso estava acontecendo, enquanto o UAV foi se tornando uma das principais ferramentas, se não a central, usada pelo sistema de defesa de Israel para recolher informações e lançar operações especiais. Não há quase nenhuma operação na IDF hoje, nem muitas operações em outras agências de inteligência, em que um drone não seja empregado em alguma parte.
Só que agora se vê que esses esforços foram em vão, pelo menos quando se trata dos EUA e a Grã-Bretanha, que foram capazes de quebrar a criptografia sofisticada. Um documento de inteligência britânico de 2008 afirma com entusiasmo que “este acesso (à frota de drones de Israel) é indispensável para a manutenção de uma compreensão da formação militar israelita e operações e, portanto, uma visão interna sobre possíveis desenvolvimentos futuros na região.” O documento afirma ainda que “em tempos de crise este acesso é crítico e um dos únicos caminhos para fornecer informações e apoio atualizado quase em tempo real para nós e aliados nas operações na área.” O documento, é claro, não lida com o fato de que Israel também está entre os aliados.
Os documentos mostram que os EUA investiram muito esforço para monitorar os preparativos israelenses para um possível ataque ao Irã. Os documentos também mostram a imensa preocupação norte-americana que Israel, durante o mandato do primeiro-ministro Netanyahu, decida fazer movimentos militares significativos na região, sem coordenação com os EUA, o que poderia levar à instabilidade.
O Wall Street Journal revelou que os EUA não pararam de espionar Netanyahu e seus assessores próximos, apesar da decisão do Presidente Obama, na esteira dos vazamentos de Snowden, de parar de espionar líderes de estados amigos.
De acordo com um ex-alto funcionário na comunidade de inteligência americana, o presidente Obama “ordenou continuar, ainda mais vigorosamente, a espionagem de vários líderes, principalmente Netanyahu. Nós todos entendemos o que essa ordem significava: Obama não vê Netanyahu como um líder amigável.”
Os novos documentos só servem para fortalecer ainda mais o relatório do Wall Street Journal, e revelam que, desde 2009, pelo menos, os EUA não só espionam o primeiro-ministro de Israel e seu círculo próximo com um escopo em constante expansão, mas também tem trabalhado para recolher informações particularmente confidencial sobre as operações das IDF e da comunidade de inteligência sobre os assuntos mais sensíveis.
Instruções da sede londrina de inteligência para os técnicos anarquistas eram claras. Por exemplo, em 29 de julho de 2008, uma ordem foi recebida para acompanhar as operações de drones israelenses nas Colinas de Golã, na Faixa de Gaza, na Cisjordânia e nas fronteiras do Líbano e da Síria. Operações nestas áreas eram importantes, “para que as avaliações sejam feitas sobre possíveis ações a ocorrer.”
Em outra parte é dito que as operações contra os drones israelenses devem alertar os americanos e britânicos do “início das hostilidades entre Israel e Hamas … a nossa capacidade de recolher e acompanhar e relatar essa atividade é importante para a detecção inicial que forneça indícios para qualquer ataque potencial preventivo ou ataque de retaliação contra o Irã “.
Além disso, o documento afirma, que Israel “fornece a muitos países os seus UAVs”, como a Índia, e as operações e as capacidades de seus drones devem ser monitoradas. Os americanos e os britânicos estavam interessados em saber exatamente que tipo de radar tinha sido montado nesses drones, e não necessariamente por considerações de inteligência – e possivelmente também por considerações comerciais.
Armamento secreto
Os escritores do site The Intercept Cora Currier e Henrik Moltke, informaram que o censor da IDF reforça uma política rigorosa sobre a mídia israelense, impedindo quaisquer informes sobre o uso de drones armados como uma parte central de seus assassinatos seletivos nos territórios, a não ser quando citam mídia não-israelense . Desta vez, a reportagem do site fornece prova inequívoca na forma de documentos internos e fotos da Operação Anarquista.
Algumas das fotos tiradas pelo UAV Heron (Eitan), durante a descolagem e aterragem, apresentadas pela primeira vez, mostram claramente mísseis ligados às asas do drone. De acordo com as suas especificações, ele também é capaz de transportar uma carga útil de até uma tonelada. É um grande e poderoso drone, mais ainda do que o Reaper – o maior drone na frota americana. Pieter Wezeman, pesquisador sênior do Sipri – Stockholm International Peace Research Institute, confirmou ao The Intercept que é possível que as imagens mostram drones que podem transportar cargas úteis.
“As imagens oferecem evidência visual rara para apoiar relatos de que Israel voa drones de ataque – um segredo revelado que o governo israelense não vai reconhecer”, conclui oThe Intercept.
O drone Hermes 450 foi vendido para vários outros países, e foi até mesmo utilizado pelas forças britânicas no Afeganistão e pela Patrulha de Fronteira americana na fronteira mexicana. Em agosto de 2009, os técnicos anarquistas documentaram um grande aumento nas operações com drones israelenses na Faixa de Gaza, durante as quais Israel bombardeou um dos túneis que o Hamas havia cavado na fronteira Israel-Egito. Três militantes do Hamas foram mortos no ataque.
Não foram apenas as transmissões de drones que foram decifradas, interceptadas e documentadas. Em 3 de janeiro de 2008, enquanto os pilotos da IAF estavam realizando uma série de ataques contra alvos do Hamas na Faixa de Gaza, eles não tinham consciência do fato de que alguém mais estava sentado no cockpit com eles. Esta foi a primeira vez que os americanos e os britânicos conseguiram decifrar transmissões de jatos F-16 israelenses e visualizar tudo o que os pilotos podiam ver. O boletim interno da NSA disse orgulhosamente ao seu punhado de leitores que os analistas da organização foram capazes de quebrar as transmissões que “mostraram um alvo no chão sendo rastreado.” Naquele dia, nove palestinos foram mortos em ataques israelenses em Gaza.
Chris Woods, especialista de renome mundial sobre a guerra de drones, disse ao The Intercept que “há uma boa chance de que estamos olhando para as primeiras imagens de um drone israelense armado no domínio público.” De acordo com Woods “é incrível que demorou 12 anos desde o primeiro relato de um ataque de drone israelense em 2004, até que estas fotos viessem à tona.” Em 2012, um analista de inteligência britânico relatou “registros regulares de Heron TP (drones) portando armas.”
Além disso, foi revelado que os EUA e o serviço de inteligência do Reino Unido estavam monitorando o míssil Black Sparrow, o míssil-alvo utilizado pelo programa de defesa antimísseis Arrow. Isto permitiu aos norte-americanos e britânicos reunir valiosa inteligência sobre o Black Sparrow.
O Black Sparrow é um míssil alvo lançado a partir de aviões F-15 e, em sua versão mais comum simula o lançamento e da trajetória de voo de um míssil balístico ou um míssil de cruzeiro. O Black Sparrow é produzido pela Rafael Advanced Defense Systems junto com a Raytheon americana. O trabalho do míssil é simular mísseis para testes do Arrow e, também outros mísseis usados contra Israel. Por exemplo, a IDF informou que durante um teste especial realizado em 1 de Abril de 2015, o sistema de defesa antimísseis David’s Sling foi capaz de interceptar um míssil Black Sparrow em voo.
O monitoramento do Black Sparrow era parte de uma sub-operação da Anarquista, que recebeu o codinome “Runway”.
Os documentos revelam muitos detalhes técnicos utilizados pelos computadores poderosos na Grã-Bretanha, juntamente com antenas da base em Chipre, a fim de interceptar transmissões dos drones e como os analistas de lá descobrem a forma de codificação de cada transmissão pelo tipo, a fim de decodificá-la da melhor maneira possível.
Mas ao lado de uma extensa capacidade das agências de inteligência, foi revelado que uma parte do processo de decodificação é feito com qualquer software “off-the-shelf” comercial que pode facilmente ser obtido e operado. Um documento intitulado “ISUAV Video Descrambling”, que inclui instrução a novos soldados estacionados na base, lista os programas de decodificação de vídeo que devem ser usados a fim de melhorar a qualidade da imagem, incluindo o AntiSky e Image Magic.
O Der Spiegel questionou em uma de suas edições sobre um recente acordo assinado entre a Israel Aerospace Industries, Airbus e o Ministério da Defesa alemão para a locação de UAVs Heron TP para as operações do Exército Alemão, alegando que a partir de agora todas as atividades alemãs poderiam ser expostas às agências de inteligência americana e britânica. Autoridades alemãs disseram em resposta que pretendem usar um sistema de criptografia diferente.
Os documentos da Operação Anarquista também expõem a intercepção em larga escala de transmissões do Hezbollah, da Síria e da Forças Aérea do Irã. Assim, por exemplo, os técnicos anarquistas monitoraram drones iranianos Ababil III voando sobre a Síria como parte da ajuda do Irã ao regime de Assad. Esta informação foi imediatamente passada à Casa Branca. Um pouco mais tarde, os técnicos anarquistas receberam ordens dos comandantes em Washington de que há “interesse presidencial em mais amostras do Regime lançando ataques contra a população geral.”
Mais tarde, autoridades norte-americanas não identificadas vazaram à imprensa que os EUA têm prova inequívoca de que o Irã estava fornecendo ajuda militar à Síria, o que na época era uma notícia dramática. Um relatório de inteligência britânico a partir de 2009 determinou que “o Irã também tem uma indústria de UAV eficaz e sua tecnologia foi exportada para uma série de organizações terroristas.”
FONTE: www.ynetnews.com
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