É impossível não estremecer diante de um míssil de última geração. É o tipo de objeto cuja presença exerce um estranho fascínio, até pelas emoções disparatadas que desperta. Tome como exemplo o A-Darter (aí ao lado): ele é longilíneo, como uma lança pós-moderna. Mede 2,98 metros, mas não chega a ser encorpado. Ao contrário, pela altura elevada, é até fino. Tem 16,6 centímetros de diâmetro, o que lhe confere uma aparente fragilidade – só aparente, claro. Por um lado, embute um conteúdo tecnológico sensacional. É daqueles foguetes que vemos no cinema, soltos em pleno ar, brincando de pega-pega com aviões supersônicos, em perseguições cheias de zigue-zagues estonteantes. Por outro lado, é uma peça assustadora. Seus sensores, circuitos, lasers, espoletas, softwares, chips, lentes, combustível, design, motores e até os parafusos da fuselagem expressam o estado da arte no quesito extermínio. Representam a mais fiel tradução para o mundo real do termo máquina mortífera.
O A-Darter, além de ser uma peça intrigante, tem uma origem surpreendente. O míssil ar-ar (lançado de um avião contra outro) está sendo desenvolvido no interior paulista, pela Mectron (com sede em São José dos Campos), pela Opto (São Carlos) e pela Avibras (Jacareí), em parceria com a sul-africana Denel Aerospace Systems. Com o projeto, orçado em US$ 100 milhões, esse quarteto passa a integrar um seletíssimo time, onde jogam no máximo cinco empresas internacionais que dominam uma tecnologia de tamanha magnitude.
A bomba voadora também pode ser vista como um símbolo. É a prova material de que o Brasil reativou a sua máquina de guerra, após três décadas de inanição. Desde os anos 90, ninguém dava bola para esse segmento, pauperizado por orçamentos em processo de extinção.
Hoje, a indústria bélica saiu da defensiva. As companhias brasileiras, associadas ou não a conglomerados globais, preparam-se para participar da produção de um arsenal parrudo, previsto para estar à disposição das Forças Armadas ao longo das próximas três décadas (trata-se de um ramo de investimentos pesados, que exige planejamento de longuíssimo prazo). A relação inclui aviões cargueiros, submarinos (quatro deles convencionais e um nuclear), radares, sistemas de comunicação, softwares de fusão de dados, novos modelos de blindados, helicópteros, navios e fragatas, além de satélites. Há ainda nessa lista uma variedade impressionante de robôs-espiões, aeronaves chamadas de Veículos Aéreos Não Tripulados (Vant). Sem pilotos, elas sobrevoam áreas de confronto em busca de informações. O plano é que toda essa parafernália se encaixe em uma série de megaprojetos militares.
Os grandes projetos
O Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron) é um dos mais ambiciosos nesse campo. Ele preconiza a vigilância em tempo real dos 16,8 mil quilômetros da fronteira terrestre do Brasil – em linha reta, é a distância que separa São Paulo de Seul, na Coreia do Sul. Nesse traçado, que contorna dez países, entre o Uruguai e a Guiana Francesa, vivem 10 milhões de pessoas em quase 600 cidades. O projeto, tocado pelo Exército, prevê gastos de US$ 6 bilhões. A base do planejamento está pronta e a implantação deve ocorrer em cinco etapas, em dez anos.
Outra empreitada de envergadura similar é o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (Sisgaaz). Apesar do nome, o programa não tem nada a ver com a floresta. A palavra “Amazônia” foi apropriada como um sinônimo de abundância de recursos naturais – e um elemento de marketing. O foco é o monitoramento da costa brasileira (daí a referência ao azul do mar). A ideia é vigiar atividades como navegação, pesca, produção de petróleo e gás, notadamente nas reservas do pré-sal. O Sisgaaz deve consumir US$ 2 bilhões e está na alçada da Marinha. O objetivo é construir um gigantesco Big Brother, que incorporaria até um novo satélite, orçado em US$ 400 milhões.
A guerra dos bilhões
Esse é somente um aperitivo do cardápio de projetos. Estimativas da indústria indicam que o segmento de defesa deve movimentar US$ 120 bilhões no Brasil nas próximas duas décadas. Um terço disso (US$ 40 bilhões) está em projetos já anunciados. A estimativa incorpora projeções de despesas com o aparato de segurança da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016, que envolverão de helicópteros a radares e mísseis. As cifras podem até estar contaminadas por algum otimismo, mas vêm insuflando o mercado de guerra no Brasil. Desde o ano passado, as companhias do setor iniciaram um ciclo inédito de fusões e aquisições.
A Embraer protagonizou um dos mergulhos mais profundos nessa tendência. Fundada em agosto de 1969, ela nasceu nos quartéis. Nos anos 70, fabricou sob licença da italiana Aermacchi quase 200 Xavantes, um jato de treinamento e ataque ao solo. Depois vieram o caça AMX e o Tucano, tão bem-sucedido que até hoje aumenta seu mercado. Agora, a companhia está desenvolvendo o cargueiro KC-390. Ele é um desses gigantes que cruzam o céu em flagrante desafio à gravidade. Aguenta 23 toneladas de carga, o equivalente a uma frota de 27 Unos Mille. O preço médio desse tipo de aeronave no mercado é de US$ 110 milhões.
A empresa acumula 60 cartas de intenção de compra do cargueiro, vindas de seis países, sendo 28 pedidos para o Brasil. Essas cartas não são compras firmes. Elas representam uma possibilidade, mas abrem perspectivas animadoras. Ao mercado global, o KC-390 está sendo apresentado como um substituto do Hércules C-130 – uma peça histórica do arsenal de guerra mundial. O primeiro Hércules, fabricado pela Lockheed, decolou em agosto de 1954. E seus descendentes ainda estão ativos, em pleno ar. Nos próximos dez anos, porém, 700 deles serão aposentados. Eis a deixa para o avanço do modelo da Embraer, cujo voo inaugural deve ocorrer em 2014. Ele deve entrar em operação em 2016. segurança nacional