O capitão Avdin é um dos milhares de oficiais de carreira em serviço na cidade de Severomorsk, capital da Esquadra do Norte russa. Em agosto último, pousou pela primeira vez, sozinho, seu caça Su-33 no deque do porta-aviões russo Admiral Kuznetsóv. À primeira vista, não fez nada de especial, mas, com seus 28 anos, agora é o mais jovem piloto capaz de fazê-lo. O capitão tem um lábio um pouco cortado, vestígio do ritual de congratulações e “iniciação ao piloto”. “Quando saí do cockpit, meus colegas me agarram e jogaram várias vezes para o alto. Em seguida, me jogaram, pelo menos três vezes, de bunda contra o cabo de aço estirado no convés para a frenagem do avião, como manda a tradição”, diz o capitão Avdin, que esperou a vida inteira por esse dia. “O primeiro modelo que eu fiz na infância foi de avião SU-33. Foi, talvez, naquela altura que se determinou meu destino”, conta o piloto.
Na Rússia, os pilotos de porta-aviões são menos de vinte, um número muitas vezes inferior ao das pessoas que estiveram no espaço. Isso, em parte, porque o Admiral Kuznetsóv é o único porta-aviões da Rússia. Foi posto em operação há 20 anos, exatamente no ano em que deixou de existir a União Soviética. De silhueta curva, a embarcação se destaca de um grupo de cruzadores e destróieres, principal força da Marinha russa, atracados ao cais de Severomorsk. Do mesmo modo, seus pilotos se destacam entre os outros militares. São poucos, ganham mais, têm uma responsabilidade maior e estão menos sujeitos aos exercícios de disciplina.
Problemas em termos de nova geração
Para formar um piloto de porta-aviões são necessários, no mínimo, sete anos: cinco anos em uma escola de aviação e dois anos na tropa. “Nos últimos 17 anos, os jovens pilotos, com uma patente não superior à de capitão, não pousaram no porta-aviões. O último a fazê-lo fui eu. Ontem pousou mais um”, diz o coronel Evguêni Kuznetsóv, comandante do Regimento 279 de Aviação Naval onde o capitão Avdin está servindo. A idade média dos pilotos de Su-33 e Su-25 do Admiral Kuznetsóv é de 42 anos. Eles se aposentam entre 45 e 50 anos. “Não somos imortais, precisamos de uma nova geração de pilotos”, adianta o coronel, que está no regimento desde 1994.
A seleção para essa tropa de elite da aviação de caça é um processo complexo. Quando Avdin estava no quinto ano da escola de aviação, ele foi pessoalmente ao Regimento e fez o pedido de alistamento. Em seguida, teve longos meses de treinamentos e vôos de treino com um instrutor em um caça. “Você voa com um homem experiente. Esse homem experiente, sentado à sua frente, executa o pouso e você fica de olho no que ele está fazendo. Tudo lhe parece fácil: pôr os flaps na posição de decolagem, puxar para si a coluna de controle, dar mais potência ao motor e efetuar a decolagem e, depois, a aterrissagem. Pronto, nada de especial. O trabalho está feito e você pode ir buscar seu salário. Mas quando chega a sua vez de pilotar, aí você vê que não é nada simples nem tão fácil quanto lhe parecia”, diz Avdin.
Ele tem raros dias de folga. Mas, feliz por ter pousado bem, ele aceita conversar com a gente por mais tempo. O comandante do Regimento cede aos pedidos dos jornalistas e manda o capitão Avdin mostrar-lhes o aeródromo secreto: “Mande o pessoal de apoio técnico tirar a cobertura das aeronaves e veja bem que ninguém lá fume nem vagabundeie coçando o saco. Está claro?” Disse isso de uma maneira específica e típica para aqueles que se compreendem mutuamente muito bem e convivem em um ambiente de camaradagem estranho para a gente de fora.
“Na realidade, tudo é muito mais complicado ...”
No aeródromo, onde conversamos com os militares, faz mais sol e mais calor: é difícil acreditar que estamos no Extremo Norte. Ao lado de seu Su-33, Avdin explica porque os vôos no Admiral Kuznetsov são difíceis: você deve pousar uma aeronave de 25 toneladas em uma pista de 36 metros de extensão observando o ângulo e a velocidade programados. “Você só pode ter em conta até 60% das condições do pouso. O mais difícil é manter a aeronave dentro do chamado raio de pouso que, durante a aproximação do navio, não ultrapassa 1,5 graus, ou seja, não é superior à cabeça do piloto”, diz Avdin. Os pilotos navais dizem que nem todos os aviadores que operam bem a partir do solo conseguem fazer um bom pouso em um porta-aviões.
“Recentemente, recebi a visita de um amigo meu, craque em jogos eletrônicos de simulação de avião. Ao saber que tínhamos aqui um simulador de vôos, ele se entusiasmou e disse que para ele nosso simulador não era um problema. Levei-o para “jogar” e coloquei para ele o nível mais simples de condições reais de vôo. Ele não conseguiu sequer se aproximar do porta-aviões. Mas na realidade, tudo é muito mais complicado...”
O Admiral Kuznetsóv é menor do que um típico porta-aviões americano: equivale a dois campos de futebol e leva a bordo 1500 homens, inclusive os efetivos do serviço militar obrigatório, e 65 aeronaves contra 95 alojadas pelos porta-aviões americanos. Suas missões de combate também são diferentes: “um porta-aviões americano é uma força de ataque destinada a combater o inimigo longe das costas americanas enquanto o porta-aviões russo se destina a prestar apoio aéreo às forças navais russas”, diz o coronel Kuznetsóv.
Os porta-aviões americanos têm propulsão nuclear enquanto o Admiral Kuznetsóv funciona com nafta e por isso é mais dispendioso em termos de manutenção. Os militares dizem que a embarcação deve ser submetida à modernização e que o governo russo tem tais planos. Com o uso adequado, dizem eles, o Admiral Kuznetsóv poderá operar por mais 20 anos.