MORRIS KACHANI
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
Ela é avessa ao consumismo, cuida de animais de rua desde quando era criança e foge dos salões de beleza. Diz que uma roupa foi feita para durar dez, quinze anos.
Assim amigos, parentes e parceiros de trabalho descrevem a gaúcha Ana Paula Alminhana Maciel, 31, presa na Rússia desde 19 de setembro por um protesto contra exploração de petróleo no Ártico.
A bióloga é ativista do Greenpeace desde 2006. Começou como voluntária, distribuindo panfletos e participando de mobilizações em terra. Sempre sonhou em embarcar em um dos três navios da entidade, em expedições.
É uma disputa acirrada: no Brasil, a maioria dos cerca de 200 voluntários alimentam esse desejo.
Ela chegou a trancar faculdade para embarcar pela primeira vez, como assistente de cozinha. Ganhou espaço mostrando boa vontade e disposição. "Até as funções mais masculinas, como carregar carga pesada, ela faz. Você nunca vai vê-la de mau humor", conta Paola Bleicker, amiga desde os tempos da Ulbra (Universidade Luterana do Brasil), em Canoas (RS).
Ana Paula é marinheira, encarregada de fazer a faxina e manutenção dos barcos.
Viaja a cada três meses, recebendo ao menos € 2.500 mensais (R$ 7.350) quando está em alguma missão no mar. Nos intervalos das viagens, faz bico como auxiliar em uma clínica veterinária.
Pelo Greenpeace já esteve no Ártico, Caribe e Amazônia. Foi detida em pelo menos duas outras ocasiões. Em Santarém (PA), ficou um dia e meio presa na delegacia, por participar do bloqueio do porto da multinacional Cargill, contra o avanço da soja.
Em São Cristóvão, no Caribe, em ação contra a caça às baleias, a situação se repetiu.Ana Paula sabe escalar e pilotar botes de assalto em mar aberto. O treinamento é necessário: são 15 kg de roupa nestas ocasiões, entre galochas, roupas emborrachadas à prova d'água, capacete e máscara contra o vento.
Nunca se queixou das condições, só do frio -no verão, a temperatura oscila de 10º C negativos aos 10º C positivos no Ártico- e dos dias longos. Em junho e julho, não escurece totalmente.
romances
romances
Ela iniciou os dois últimos relacionamentos amorosos em expedições. Não são viagens fáceis: muito serviço, um beliche por cabine, banheiro coletivo.
Além do refeitório, o único ponto de encontro é o lounge do navio, equipado com TV, DVD e alguns violões. Cada um pode beber no máximo duas latas de cerveja.
Com o italiano Rossano Filippinni se casou. Chegaram a morar na Itália e em Portugal. Há um ano, já com o casamento desfeito, engatou com Miguel Angel Arguelles, mexicano, que hoje vive em Cozumel, trabalhando como mergulhador especializado em profundidades.
Ontem, pela primeira vez, Ana Paula conseguiu contato por telefone com a mãe, Rosângela.
"A conversa foi curta, mas boa. Ela disse que está bem na medida do possível. Que não estão lhe faltando as coisas, tudo que ela precisa o Greenpeace providencia. Reclamou um pouco do frio mas disse que está sendo bem tratada pelos carcereiros", disse sua mãe, motorista de perua escolar que vive em um bairro de classe média de Porto Alegre.
Houve pouco choro: "A gente se controlou para poder falar. Eram só cinco minutos".
Ana Paula conversou também com a sobrinha, Alessandra. "Você não sabe como ficou famosa", disse-lhe Alessandra. "Na TV, nos jornais, em todo lugar". Ana Paula reagiu com um sonoro e gaúcho "mas bah, capaz!".
Ela no momento está lendo um livro sobre pirataria. Em uma carta à família, relatou as dificuldades do dia a dia: vivendo em uma cela individual, só tem uma hora por dia para esticar as pernas e caminhar.
"Ela gosta de liberdade. Nunca me deixou colocar grades nas janelas do apartamento. É como você capturar um pássaro na floresta e colocá-lo em uma gaiola. Ele fica doente, deprimido, este é meu receio", diz a mãe.
Em uma das cartas, conta a mãe, Ana Paula afirmou que depois do episódio estava "revendo os conceitos de sua vida". "Não sei o que isso pode significar. De repente, talvez não queira mais participar das embarcações..."
FONTE FOLHA SEGURANÇA NACIONAL BLOG SNB