RUBENS VALENTE
DE BRASÍLIA
É uma tarefa "impossível" para o Brasil conseguir impedir uma espionagem
de telecomunicações como feita pelos EUA e só resta ao país investir na
proteção do conhecimento sensível nas mãos do Estado, dos cientistas e
das empresas de áreas estratégicas, segundo o ex-analista de
inteligência Jorge Bessa.
Ele foi chefe do setor de contraespionagem e coordenador nacional de
contrainteligência da SSI (Subsecretaria de Inteligência), antecessora
da Abin.
"É impossível impedir porque, desde que o mundo é mundo, o grande fator
da espionagem é o avanço tecnológico. Assim foi todo o tempo. Quem
desenvolve a tecnologia é que vai dominar", disse Bessa, para quem os
esforços feitos no Brasil em contraespionagem "não chegam nem perto da
realidade dos serviços de inteligência americanos".
"Não dá para comparar, não dá para competir".
Autor de "A Contra-Espionagem Brasileira na Guerra Fria" (Thesaurus,
2009), Bessa trabalhou por 25 anos no serviço de inteligência
brasileiro, de 1973 a 1998, passando por sete governos civis e
militares, do SNI (Serviço Nacional de Informações) à SSI.
Ele vê com grandes reservas as promessas do governo brasileiro de que
pretende mobilizar a atenção de foros internacionais para cobrar a
paralisação da espionagem.
Citou como exemplo a investigação do Parlamento Europeu sobre o programa
Echelon, um sistema de interceptação de telecomunicações bancado pelos
EUA e descoberto no final dos anos 90.
"O governo pode reclamar. O Parlamento Europeu, no caso do Echelon,
propugnou medidas e nada aconteceu. É só jogo de cena. Porque vai
continuar a ser feito", disse.
"Todo mundo tem que saber que diuturnamente alguém está querendo
espionar, se eu sou detentor de conhecimento secreto, sigiloso, de cunho
estratégico", afirmou o ex-analista.
Nos anos 90, Bessa ajudou a formatar o que o governo brasileiro hoje
chama de programa nacional de proteção do conhecimento sensível.
Tratou-se de um trabalho de alerta e preparação de empresas, cientistas e
universidades para saber lidar com seus segredos que pudessem despertar
a cobiça estrangeira.
RESISTÊNCIA
A princípio, segundo Bessa, houve muita resistência, mas depois deu-se
razão ao serviço de inteligência do Planalto, à medida em que os
pesquisadores começaram a saber que alguns avanços brasileiros,
principalmente na agricultura, eram replicados em países estrangeiros.
O ex-analista disse que o serviço de inteligência brasileira "não tinha
dúvida" sobre interceptação de telefonemas e outras trocas de informação
entre pessoas do alto escalão do governo, o que deu origem ao esforço
pioneiro de se criar uma criptografia nacional de alto padrão.
O governo militar então criou, no final dos anos 70, a estatal Prólogo,
embrião do Cepesc (Centro de Pesquisas e Desenvolvimento para a
Segurança das Comunicações), hoje vinculado à Abin.
O principal objetivo da Prólogo e do Cepesc foi dotar as comunicações
das altas autoridades e do próprio SNI de uma criptografia potente.
"Como fazem os serviços de inteligência decentes, [o governo] foi buscar
os melhores cérebros das universidade na área de matemática e montou
uma equipe de primeira qualidade para fugir da dependência total no
campo das comunicações", contou.
FOLHA ....SNB