Pelotões Especiais de Fronteira

As unidades militares instalados nos lugares mais inóspitos do território brasileiro, nos quais a adversidade é parte do cotidiano, são os Pelotões Especiais de Fronteira.
O CMA (Comando Militar da Amazônia) tem 27 pelotões de fronteira implantados ao longo da divisa com sete países, entre eles três produtores de cocaína (Colômbia, Peru e Bolívia), nações com vazios institucionais (Guianas) e atuação de guerrilhas (Venezuela).
Tudo isso obriga o Exército Brasileiro a manter uma vigilância constante na faixa de fronteira, embora a condição esteja longe do ideal.
Com 11 mil quilômetros de extensão, a fronteira na Amazônia é um desafio logístico. A maior parte do território é coberto por selva. O próprio comandante do CMA, general de Exército Eduardo Villas Bôas, admite o problema: “Existem mais de 1.000 quilômetros na Amazônia sem a presença de ninguém, nem das Forças Armadas, o que é muito perigoso”.
Os 27 pelotões de fronteira do CMA estão distribuídos por 6 Estados: Amazonas, Pará, Acre, Rondônia, Roraima e Amapá. O maior número está concentrado no Amazonas, Roraima e Acre, com 23 pelotões, em razão dos problemas na faixa de fronteira.

O general de brigada Franklimberg Ribeiro de Freitas, comandante da 1ª Brigada de Infantaria de Selva, é recebido pelos militares do Pelotão Especial de Fronteira de Bonfim, em Roraima
O coronel Marcos Araripe Souza Oliveira mostra para o general Franklimberg (de pé) as operações que estão em andamento perto da fronteira com a Guiana (ex-Inglesa).
“Estamos com a tropa do 1º Batalhão de Infantaria de Selva, de Manaus, em operação na fronteira para combater os ilícitos, na região de Bonfim e Normandia, principalmente contrabando, tráfico de maconha e roubo de moto. O pessoal rouba motos em Bonfim, passa pela fronteira, troca por maconha e volta para vender em Manaus. Estamos atuando com duas tropas”, disse Oliveira.
“É uma satisfação trabalhar nessas operações pela dificuldade que elas nos apresentam. O Exército vem para cá e faz atendimento médico e odontológico nas comunidades, para reforçar a presença do Estado”, completou.
Tenente Enderson Passos, 26 anos, subcomandante do 1º PEF, em Bonfim: “É gratificante para mim trabalhar no PEF. Já passei por outros pelotões de fronteira, como em Pacaraima, Auaris e Uiramutã, e agora estou aqui em Bonfim. Estou na função de comandante porque o meu comandante está em missão. A importância é de trabalhar pela garantia da soberania nacional. Eu atuo desde os 22 anos em Pelotões Especiais de Fronteira. Não faltam histórias. Já passei sete meses sem ver uma cidade, por causa das grandes distâncias. Combater os crimes é fundamental para o país. Trabalhamos em parceria com os órgãos federais.”
 O soldado Wilson André Laurindo, 20 anos, está servindo o Exército pelo primeiro ano no 6º Pelotão Especial de Fronteira, em Uiramutã, na região Nordeste de Roraima, dentro da área da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Ele é descendente de índios da etnia macuxi, da comunidade Água Fria, distante 50 km do PEFi. “Ser índio e servir ao Exército facilita no contato com os outros índios, que têm menos desconfiança com a gente do que com os brancos.”
O soldado Marcelo Antonio Rodrigues, 20 anos, também é descendente de índios. A mãe dele é índia da etnia macuxi e o pai é da Guiana. Ele ainda fala um pouco da língua materna. “Vim servir no Exército Brasileiro para defender a fronteira”.
 
A técnica agrícola e sargento Alcilene Cordeiro Silva Loureiro, 33 anos, que tem ascendência indígena. “Minha mãe é da tribo indígena dos Tucanos, de uma cidade chamada Santa Isabel do Rio Negro, no interior do Amazonas. Eu nasci no Pará e vim para o Amazonas. Me caseis aos 26 anos e entreguei para o Exército com 30, depois de formada na escola técnica federal. Sirvo no 6º BEC e minha função é recuperar áreas degradadas. Meu pai era comandante de barco e se apaixonou pela minha mãe, que era índia. Eles foram para uma pequena cidade povoada por descendentes italianos. Com 6 anos, fui dada para uma prima para criar”.
Por que decidiu entra no Exército?
Para me desenvolver como pessoa. Foi um desafio. Eu morria de medo de tudo e o Exército me ensinou muita coisa, como a me desenvolver melhor, saber me expressar, não tem nem explicação. Foi muito bom como pessoa. Me ensinou a fazer projetos e vejo o coronel Mateus (comandante do 6º BEC) como quase um pai (nesse ponto da entrevista, ela se emocionada e chora).
Você se vê como uma referência para outros descendentes de índios?
É um incentivo para os índios que querem entrar no Exército. É um desafio de vida, para aprender muita coisa. E vamos além da nossa vida. Quando sairmos das Forças Armadas, estaremos preparados para o mercado de trabalho, em várias áreas que possamos atuar. O índio tem conhecimento da selva e pode contribuir para o Exército. Índio sabe como lidar com a terra, com as plantas nativas. Trabalho com espécies nativas, de árvores e plantas, e com capins para a recuperação de taludes.
Aldeia indígena perto de um Pelotão Especial de Fronteira do Exército na Amazônia. De tão longe, só se chega ao local de helicóptero

General de Brigada Franklimberg Ribeiro de Freitas

General de Brigada Franklimberg Ribeiro de Freitas, comandante da 1ª Brigada de Infantaria de Selva
Estamos em Uiramutã e temos o 6º Pelotão Especial de Fronteira e é a presença do Estado. Foi construído dentro da atual reserva indígena Raposa Serra do Sol. A área só foi homologada em 2008. A população do município de Uiramutã tem crescido muito. Vemos a construção de uma escola e da ampliação de um ginásio. A demanda por ensino está crescendo. A cidade também tem três antenas de telefonia instalada.
Planejamento e reconhecimento do Curare 5.
Estamos realizando durante todo o ano, com apoio dos PEFs, do levantamento dos ilícitos na fronteira, compilados com dados da Polícia Federal, da Funai, do Ibama, do IcmBio e da Polícia Rodoviária Federal. Os dados de inteligência são reunidos e fazemos o desencadeamento da operação para combater os ilícitos na fronteira.
A importância de combater o garimpo ilegal em terra indígena?
O garimpo é ilegal. Particularmente, o acesso á reserva Yanomami é muito difícil e poucas instituições têm meios de chegar ao local. No CMA, o 4 Bavex permitem realizar esse tipo de ação. Como é uma atividade não permitida por lei, nos reunimos com a PF e Funai para realizar essas operações de interdição de diversos garimpos que foram levantados com a inteligência do Exército. Temos em torno de 800 homens envolvidos nessas operações, somandos a delegados da PF e agentes de outros órgãos federais.
Ações táticas?
Temos diversos tipos de ações. Na fronteira com a Venezuela, fazemos a vigilância num posto da receita federal do que entra e sai do país. Há um patrulhamento na estrada em razão do contrabando de combustível. Na área de Bonfim, o 1º BIS está patrulhando nos rios e já encontraram carregamento de camisas e outros materiais. Os produtos são apreendidos e encaminhados para a PF. Na área sul do Estado, onde há crime ambiental, atuamos com o Ibama e o Icmbio. Proporcionamos a parte logística e de segurança para que esses órgãos executem seu trabalho. Na área Yanomami, onde temos a maioria dos garimpos, estamos realizando incurções com apoio da Funai e PF na interdição dos garimpos. Todo material encontrado que puder ser transportado, levamos para a PF. O que não pode ser levado fica interditadio. As pessoas detidas também são encaminhadas à PF. Eles respondem em liberdade pelo ilícito.
O pessoal foge para a selva?
Sabemos que os garimpeiros vão ter dificuldade de deixar o local. Eles fogem porque estão com ouro e não querem entregar à PF.
E os índios?
Eles estão sendo muito importantes para a operação, denunciando os garimpos. Temos oportunidade de observar a quantidade de área degradada pelo mercúrio dos garimpeiros. Os índios reclamam desse trabalho irregular dos garimpeiros. Os índios estão nos apontando os locais onde há garimpos clandestinos. Todos esses garimpos são interditados.
Quem são os militares?
Temos militares dos PEFs e de outras unidades participando das operações, até mesmo gente de Manaus. Depende da necessidade. Os soldados são da região e conhecem bem a área. Os nossos oficiais e sargentos possuem o curso de guerra na selva.
Importância do Exército no combate aos ilícitos?
De acordo com a lei complementar de 2010, permite ao Exército ao poder de polícia em 150 km nos limites de fronteira possamos, junto com outros órgãos de segurança pública, realizar a atividade de combate aos ilícitos. Estamos numa operação Curare 5 com participação da PF, PRF, Ibama, Icmbio, Ibama, Funai, que apoiam o Exército no combate aos crimes na fronteira, em toda a faixa de fronteira do nosso território.

Atendimento médico e odontológico

Em paralelo às operações militares na faixa de fronteira, o Exército leva para os municípios e comunidades isoladas, incluindo as indígenas, médicos e dentistas para atender a população.
Chamado de ação cívico-social, o trabalho acaba sendo a única oportunidade em diversas localidades de receber a visita de um médico, em razão das grandes distâncias e do difícil acesso na Amazônia.

Operações na selva

O Exército Brasileiro faz regularmente operações na Amazônia, em conjunto com outros órgãos federais, como Ibama, Polícia Federal e Funai, para combater crimes na área de fronteira, especialmente narcotráfico, contrabando e desmatamento. Nas reservas indígenas, os militares atuam na localização e interdição de garimpos clandestinos.
As imagens abaixo foram fornecidas pelo Exército e mostram algumas dessas operações que foram realizadas entre outubro e novembro. Percebam os danos ambientais causados pelos garimpeiros e os vários equipamentos apreendidos pelos militares.
Embarque dos militares no helicóptero Black Hawk para cumprir as missões, que contam com agentes da Polícia Federal
Fabiano Martins, 41 anos, delegado da Polícia Federal em Boa Vista
A Operação chama Baixo Rio Branco e o objetivo é coibir atividades ilícitas na região. O Exército veio com mais de 100 homens e nós damos o apoio. Começou dia 31 de outubro, com previsão de término em 9 de novembro. Confirmamos um desmatamento, com auxílio do Ibama, que atesta as infrações e depois será instaurado inquérito. O Exército é fundamental em razão do quantitativo e a logística. O desmatamento é feito para vender a madeira e depois como área de pecuária. O objetivo é lucro.
Aqui na região tem muita plantação de banana. Como tem muita terra e é muito grande, nosso trabalho fica complicado. O desmatamento é proibido. Tem que ter uma acordo com o Ibama para usar uma área e preservar outra. Mas muitos desmatamentos só visam o lucro. A presença da PF é que, se por ventura houver um flagrante, fazemos o procedimento aqui mesmo e entregamos na cadeia de São Luiz do Anauá.
Militares saindo de um Pelotão Especial de Fronteira para patrulhar as estradas

Larva de babaçu, tá servido?

Não é que os repórteres de O VALE toparam comer o tapuru, a larva que cresce dentro do babaçu. Eles garantiram que a iguaria, que os militares comem na selva, tem gosto de coco. Você está servido?
Na sequência de fotos, Cláudio Vieira e Xandu Alves experimentam as larvinhas…


A onça do Cigs

O coronel Edmundo Palaia Neto, comandante do Cigs, explica porquê a onça foi escolhida como símbolo do curso de guerra na selva: “A onça foi escolhida como símbolo não pela agressividade, mas por ser um animal discreto, silencioso e que caça com astúcia.”
Na sequência a seguir, Aurélio Moreira e Cláudio Vieira, respectivamente editor de Web e repórter fotográfico de O VALE, superam o medo para afagar o símbolo do Cigs. Como os militares explicaram, a onça é mansa, o problema é quando ela resolve brincar com a sua mão.


Ministra do STM visita a selva

 
Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, ministra do STM (Supremo Tribunal Militar), esteve na sede do Cigs para conhecer de perto o trabalho dos militares. Foi lá que ela conversou com O VALE.
A sra. já conhecia a Amazônia?
É a primeira vez na Amazônia. Fomos convidados para conhecer aqui. Eu tinha muita vontade de vir há muitos anos. Moro e trabalho em Brasília. Temos 15 ministros no STM e cinco são civis, sendo três advogados. Eu ocupo a cadeira da Casa dos Advogados do STM. Conheci o Cigs e andei de helicóptero e fomos ao rio conhecer um flutuante, mas para mim já é muito. Mesmo assim, já tive muita emoção.
É importante conhecer?
É fundamental. Os magistrados do STM são militares e civis. Os militares são generais de quatro estrelas, no último posto da carreira, e trazem para o tribunal uma experiência da caserna que desconhecemos completamente. É outra realidade e visão de mundo. É importante ter a presença dos militares para julgar com acerto. Vir aqui e conhecer o trabalho de perto, do Exército, de conhecer a Amazônia mais de perto e o trabalho da fronteira, é importante para entender melhor a vida militar na hora de julgar, em causas de questões de instrução, treinamento, ou o sentimento do militar com relação ao cumprimento do dever. Nós, civis, flexibilizamos um pouco o rigor. Nas Forças Armadas, não há isso. Só em extrema necessidade o militar pode deixar de ser rigoroso. Então, vir aqui e ver de perto, talvez seja a mais importante experiência em termos de brasilidade da minha vida.
Os militares aqui falam com muito orgulho de servir na Amazônia. A sra. tem sentido isso?
É significativo. Na Constituição, somando os incisos, artigos e alíneas, há mais de 5.000 ordens e comandos normativos, mas a palavra pátria aparece uma única vez, no artigo dedicado às Forças Armadas. Estando aqui na Amazônia, vendo o trabalho do Exército e da Marinha, que também conheço, vejo o que significa servir à pátria. Esses militares fazem isso, e é bonito ver isso. É outro lado e face do Brasil que só conhecia pelos livros. Comecei a ter contato com o Brasil e ver o país verdadeiramente depois que fui para o STM, em 2007. Conhecer o seu país é fundamental.

Combatentes de selva

Cigs (Centro de Instrução de Guerra na Selva)
“O Cigs é o melhor centro de instrução de guerra na selva do mundo”. A opinião é de alguém que: 1) já fez o curso em 1988, 2) já foi instrutor e comandante do Cigs e 3) ainda quer voltar para a Amazônia. A frase é do general de brigada Carlos Cesar Araújo Lima, comandante da 12ª Brigada de Infantaria Leve (Aeromóvel) de Caçapava.
Pelas imagens, dá para ver um pouco da dureza do treinamento imposto aos militares selecionados para cursar o Cigs durante nove semanas.

Equipe de O VALE entrevista militar que acabara de chegar de uma caminhada de quatro dias na selva, dormindo e comendo o mínimo necessário. Vencendo distâncias de quase 60 km nas caminhadas, muitas vezes levando armamento pesado.
Ao chegar à Base de Instrução nº 1, na cidade de Rio Preto da Eva, Amazonas, os militares ainda passam por oito missões nas quais têm que demostrar capacidade de raciocínio, tomada de decisão e liderança.
“É o ápice do desgaste físico do curso. Totalmente desgastados, oferecemos para eles missões curtas para que demonstrem a capacidade técnica e surja no grupo quem vai ser o líder. É nessas missões que surjem os líderes naturais no grupo, e vamos avaliando cada um deles. O atributo liderança é muito importante para o combatente de selva”, explica o coronel Edmundo Palaia Neto, comandante do Cigs.

Nem todos aguentam a dureza do curso de guerra na selva. Para estes, o Exército oferece atendimento médico e duas ambulâncias para transporte de militares com algum problema mais grave, se necessário.